‘Viúva Negra’ é um spin-off que chegou tarde demais – Crítica sem spoilers
Viúva Negra, Vingadora presente no Universo Cinematográfico da Marvel (MCU) há mais de uma década, ganhou um filme independente tarde demais.
Na linha do tempo do Universo, Viúva Negra se passa entre Capitão América: Guerra Civil e Vingadores: Guerra Infinita, preenchendo uma lacuna importante para compreendermos o que aconteceu neste ínterim – esta sendo uma função dos chamados retcons. Porém, o espectador que assistiu ao sucesso Vingadores: Ultimato, clímax da franquia, sabe muito bem que Viúva Negra se sacrifica em troca de salvar metade da população do universo. Logo, a responsabilidade deste longa também é prezar pelo legado de uma das poucas heroínas de grande relevância que costumávamos ter nas telonas.
O filme, lançado na última semana em cinemas ao redor do mundo (e também no streaming Disney+) nos conta o passado de Natasha Romanoff. Com flashbacks dignos, Viúva Negra introduz aqueles que ela considerava como “família” antes dos Vingadores até chegarmos ao presente, quando a heroína se torna uma fugitiva após violar o acordo de Sokovia, em Guerra Civil.
As aparições anteriores de Viúva Negra no MCU contaram parte do que tornou Natasha uma assassina sem piedade, pois ela foi sequestrada e treinada para ser uma ferramenta. Desenvolvendo um relacionamento com Bruce Banner, ela revela que teve seu útero removido. Ao amadurecer, durante o período de treinamento, ela começa a desafiar sua própria visão de mundo e enfim reconhece que foi vítima de lavagem cerebral.
É aí que nasce a identidade de Viúva Negra. Em Ultimato ela consegue ser uma das personagens mais humanas, capaz de escolher o próprio destino. Mesmo assim, ela mantém sua garra e toda a determinação com foco em cumprir a atual missão. Tudo o que aproxima Natasha de uma espiã é aprofundado em Viúva Negra, ainda que a evolução da personagem não faça mais sentido.
Além da protagonista, interpretada por Scarlett Johansson, temos um trio memorável de personagens e atores: Yelena Belova (Florence Pugh), Melina Vostokoff (Rachel Weisz) e Alexei Shostakov (David Harbour), sendo respectivamente irmã, mãe e pai de Natasha. Sem sombra de dúvidas, os secundários são o ponto mais forte do filme. A química conquista, as piadas não têm timing ruim e cada um tem um propósito claro.
Também contamos com a presença de um grande vilão, o Treinador/Taskmaster, que não nega “chupinhar” o tom sombrio do Soldado Invernal (do segundo Capitão América e da série estrelada por ele), como a música dramática e todo o mistério por trás da máscara. Suas armas e golpes são inspirados na garras do Pantera Negra, o arco do Gavião Arqueiro e o escudo de Capitão América demonstram de maneira eficaz o empenho do personagem em estudar técnicas de luta daqueles que conhecemos. Infelizmente, com pouco tempo de tela e uma origem não muito bem trabalhada, o vilão foi mais um potencial desperdiçado – o Taskmaster do game Marvel’s Spider-Man, de 2018, é muito melhor.
Várias cenas de Viúva Negra lembram os filmes de espião e tem o ritmo idêntico, mas ele ainda faz questão de se apresentar como uma propriedade da Marvel. O mais “próximo” em termos de tom não é um filme, mas a série Falcão e o Soldado Invernal. Você tem ação, personagens complexos, drama familiar e conexão ao restante do Universo. Da mesma forma, ambos (série e filme) pecam em entregar uma cena de ação digna, exceto pelo final. Em Viúva vemos Natasha comentar repetidamente uma missão fracassada de Budapeste, quando ela fazia parte da S.H.I.E.L.D., e claramente isso parece mais interessante que as missões de Natasha neste.
Enquanto papel de representar uma heroína, o filme nunca cai na vala de piadas irônicas (diferente de ambos Mulher-Maravilha e de Capitã Marvel, com homens fazendo cantadas bregas às super mulheres) exclusivas ao gênero da personagem. Não por isso Viúva Negra é menos feminista, pois há espaço para sororidade entre as Viúvas. Cate Shortland, diretora de outros filmes com protagonistas femininas fortes, deixa sua mensagem clara, engrandecendo Natasha.
Viúva Negra foi o primeiro filme da Marvel que não vi no cinema desde Vingadores, em 2012. Optei por assistir no conforto de casa, pagando R$ 69,90. Considerando que assisti junto com mais uma pessoa, o valor chegou a ser menor que dois ingressos. Não é preciso ser cinéfilo para afirmar que a Marvel funciona melhor em tela grande, e com Viúva Negra isso se mantém. A grandiosa cena de ação/clímax da história provavelmente é espetacular caso você assista em uma tela com 16 metros de altura, porém, o centro do filme é o drama familiar.
Exceto pelo novo corte de cabelo, os acontecimentos e a personagem não respingam para seus vizinhos do MCU. Tudo está em uma escala menor, vide os acontecimentos não afetarem nada nos Vingadores seguintes. Há quem reconheça esta característica como coisa boa. Contudo, levei o filme como um spin-off.
O grande erro por trás de Viúva Negra foi o lançamento. Além de ser adiado por mais de um ano, ele não funciona como introdução à Fase 4 da Marvel (o primeiro dos 12 confirmados), nem como tapa buraco entre Guerra Civil e Infinita (eles aconteceram há anos) e nem como uma história de origem da protagonista (por isso ser mostrado antes, próximo à introdução da personagem em 2010). Como história individual, à parte dos 13 anos de construção do MCU, ele funciona muito bem. O problema calha de ser a “má educação” da Marvel ao público que ela mesma formou: todos os filmes precisam pegar um gancho e devem levar o espectador a criar hype pelo próximo.
Em suma, digamos que Viúva Negra começou a quarta fase com o pé errado. Porém, se depender das séries da Marvel na Disney+, teremos um futuro promissor para o Universo.