Toxina do veneno da cascavel induz célula de defesa a combater o câncer, indica estudo
Texto: André Julião | Agência FAPESP
Em estudo conduzido no Instituto Butantan, uma das toxinas que compõem o veneno da cascavel (Crotalus durissus terrificus), a crotoxina, apresentou efeito modulador sobre o sistema imune na presença do câncer.
O estudo foi na revista Toxins e contou com a colaboração de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp).
“Camundongos portadores de câncer que receberam uma pequena e única dose da toxina apresentaram prevalência de macrófagos que disparam substâncias cruciais para destruir células tumorais, como o óxido nítrico”, conta , primeira autora do trabalho, realizado durante o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências-Toxinologia do Instituto Butantan.
“Estamos estudando formas e combinações estruturais da crotoxina para encontrar uma que seja menos tóxica e mais efetiva no seu efeito imunomodulador e antitumoral. Mas é possível que outras estruturas da molécula crotoxina, inclusive já conhecidas, possam realizar a mesma ação ou potencializar seu efeito”, completa , pesquisadora do Instituto Butantan e coordenadora do estudo, que integra projeto pela FAPESP.
Células de defesa ativadas
Ao final do 13º dia de experimentos, a administração da menor dose da toxina (0,9 micrograma) nos animais com tumor ascítico levou à prevalência dos macrófagos M1 (antitumorais) em cerca de 60%, que foi a mesma porcentagem de células encontradas nos animais que não tinham tumor. O resultado mostra que o tratamento foi eficaz na manutenção dessas células de defesa no microambiente tumoral. A dose maior, por sua vez, levou a um aumento desse tipo dos macrófagos M1 e a uma diminuição dos macrófagos M2, demonstrando a capacidade que essa toxina tem de impedir células que favorecem o tumor. No sexto dia após o tratamento com as diferentes doses de crotoxina, o volume do tumor havia diminuído significativamente nos camundongos portadores de câncer, quando comparado ao grupo que recebeu apenas uma solução salina. Porém, desse período até o final do experimento, apenas o grupo que recebeu a menor dose foi capaz de reduzir o volume do tumor, em 27%. Nos animais tratados com a menor dose da toxina, após seis dias da inoculação do tumor foram observados ainda redução no número total de células tumorais e aumento no número de leucócitos, que também são células de defesa, em comparação aos que receberam solução salina.“Isso mostra que a menor dose é suficiente para modular os macrófagos e reduzir o tumor. Esse dado é extremamente relevante, pois os efeitos antitumorais da crotoxina são conhecidos pela ação direta da toxina sobre as células tumorais. Por meio de estudos in vitro e deste trabalho, conseguimos demonstrar também a importância da ação imunomoduladora da crotoxina sobre os fenótipos de macrófagos, críticos para o controle tumoral. Por isso a necessidade de pesquisar novas combinações e reduzir possíveis efeitos tóxicos da molécula para o organismo”, explica Coccuzzo.
A menor dose da toxina, ao final do 13º dia do tratamento, proporcionou ainda o aumento de 35% na produção de óxido nítrico pelos macrófagos dos camundongos com tumor, comparado com o grupo-controle, sem toxina. O que recebeu a maior dose de crotoxina não teve mudanças nesse parâmetro. O óxido nítrico é um radical livre importante na defesa contra tumores, pois penetra na célula tumoral e a leva à destruição. “Este é o primeiro trabalho demonstrando como uma única administração de crotoxina interfere na reprogramação de macrófagos, favorecendo o perfil mais desejado quando há a instalação do tumor, pois controla eventos da progressão tumoral”, afirma Neves. “Uma evidência forte que observamos nesse trabalho foi a ação inibidora da crotoxina no volume do tumor e no número de células tumorais, além do estímulo da produção de mediadores pró-inflamatórios, cruciais para a ação antitumoral dos macrófagos”, encerra Coccuzzo.O artigo completo Crotoxin Modulates Macrophage Phenotypic Reprogramming está disponível em: .