A corrida não exige muita coisa de quem tá começando. Basta um tênis, uma roupa confortável e uma dose de disposição e você está pronto para cumprir seus primeiros quilômetros. Mas logo outra demanda aparece: monitorar os treinos usando um aplicativo de corrida. Afinal, saber informações como ritmo, distância percorrida, inclinação, calorias e tempo é essencial para acompanhar a própria evolução — o que dá uma motivação extra para sair do sofá de novo.
Só que a jornada em busca do app favorito pode ser meio tortuosa. Principalmente se você tem um celular mais modesto.
A ideia deste texto é compartilhar um relato pessoal da minha experiência como corredor amador, discutindo o que pode influenciar no registro do tempo. Tudo para ajudar você, leitor, a escolher o app de corrida que mais lhe agrada.
Spoiler: fatores como o local onde você corre, o modelo do celular, como você transporta o dispositivo durante suas corridas e até as configurações do app podem influir nessa conta. Se quiser ver o resultado do teste final dos apps, só rolar para o fim do texto. Por agora, senta, que lá vem história.
Primeira experiência
A primeira vez que registrei uma corrida de rua em um aplicativo foi um tanto frustrante. Escolhi o Runkeeper, da marca esportiva Asics, após indicação do meu sogro. Apesar de correr oito voltas em uma pista de 900 m, o app apontou ao fim do treino um número bem diferente dos esperados 7,2 km, como você pode ver abaixo.
A discrepância me deixou encucado. O circuito tinha mesmo aquele tamanho, como apontado em marcações no chão. E, segundo minhas contas, o número de voltas também estava correto. Quem sabe a culpa era do aplicativo. Mas por que, então, ele conta com uma avaliação boa dos usuários e centenas de milhares de downloads?
Ainda usei o Runkeeper em outros treinos e provas. Foi aí que notei o primeiro padrão: em circuitos circulares, em que o mesmo caminho era repetido por várias vezes, a marcação do tempo era menos precisa. Mesmo a céu aberto, como quando corri às margens do lago do Ibirapuera, em São Paulo, a distância registrada parecia ser menor do que a real.
Prova disso foi que, durante a minha primeira meia-maratona (21 km), no fim de 2022, o app resolveu se comportar de forma mais eficiente. O Runkeeper marcou o trajeto correto até próximo aos 10 km, indicando um ritmo que se aproximava do meu habitual nos treinos. Bom sinal. Depois, perdi a conexão com a internet por um breve momento e o registro da atividade parou por aí. Mas, pelo menos, tive um relatório “mais preciso” da primeira metade (ou quase isso) da prova, disputada ao longo de uma extensa estrada local no interior de São Paulo.
O fator smartphone
Só então fui me dar conta de que ter um celular simples demais poderia estar atrapalhando as medições. Explico: à época em que usava o Runkeeper, eu tinha um Redmi 7A, modelo de entrada da Xiaomi, que tinha desde 2019. No início de 2023, gastei um pouco a mais e comprei um POCO M5s.
Celular novo, aplicativo novo. Resolvi testar o Adidas Training. E a diferença na hora de medir os treinos foi grande. Na primeira vez que usei novo app, em uma prova de 10 km, o registro ficou bem próximo da distância oficial, como você pode ver abaixo. Eu acionei o app alguns metros (não sei ao certo quantos) depois da largada, o que explica a distância menor.
Ao analisar a ficha técnica dos dois celulares, o novo e o antigo, percebi que o POCO M5s conta com uma constelação de satélites mais ampla. Além dos sistemas GPS (americano), Glonass (russo) e BeiDou (chinês), presentes no Redmi 7A, ele também tinha acesso à rede Galileo (da União Europeia). A efeito de comparação, o smartphone mais novo da Apple até o momento, o iPhone 14, tem todos essas redes de satélites citadas acima e mais o QZSS (japonês).
Vir com um leque maior de satélites “de fábrica” aumenta a cobertura e precisão, já que, caso um sistema de GPS não atenda a demanda de sua corrida, seu GPS pode recorrer a outro, melhorando os cálculos.
Ter um celular com hardware mais potente é o outro pulo do gato. É o hardware, afinal, que vai dizer se o celular consegue pegar o sinal com qualidade e passar para o aplicativo processar. Em resumo, o app vai ser “bom” quando o celular tem memória livre e um bom processador para entender os dados fornecidos pelo GPS.
Pronto, achei que tinha encontrado no Adidas Training o aplicativo definitivo. Percebi que, em circuitos fechados e com muitas curvas, como o que você vê abaixo, ele não marcava as métricas da corrida com precisão cirúrgica. Mas, para os meus treinos, estava de bom tamanho.
Só não contava que um fator aparentemente inofensivo como a posição escolhida na hora de carregar o celular pudesse atrapalhar tanto as contas.
Diga-me como corres…
Veja a imagem abaixo. Durante uma corrida no domingo pela manhã no Parque Piqueri, na zona leste de São Paulo, o aplicativo indicou que eu simplesmente corri algumas centenas de metros em cima do Rio Tietê.
Tem uma explicação para o percurso inusitado. Neste fatídico dia, resolvi correr com o celular no bolso. Foi esse o erro. A escolha acabou prejudicando a comunicação com os sistemas de GPS e, por tabela, atrapalhou por completo meu treino. O que deveriam ser 6,5 km, assim, viraram 3,46 km.
Levar o dispositivo na mão, em uma cinta esportiva no quadril ou em suporte que me permitia correr com ele preso ao braço, como vinha fazendo em outros treinos, resulta em resultados (bem) mais precisos. Fica a dica, leitor.
Configure seu app
Uma corrida de 10 km me revelou outro aspecto importante na hora de escolher um app: certificar-se de que suas configurações estão ajustadas antes de sair correndo por aí. Quando passei a usar o app no meu celular novo, não fiz isso. O resultado foi isto aqui:
Claramente tinha algum problema. Na corrida seguinte usando o mesmo app, descobri o que rolou. O Runkeeper me avisou que faltava marcar a opção “Nenhuma restrição” na lista abaixo. Só assim para conseguir marcar as corridas de forma efetiva quando “em segundo plano” — quando você bloqueia a tela.
Isso não aconteceu com nenhum outro app que usei para escrever este texto. Mas vale ter em mente caso você se depare com algo parecido na sua busca pelo aplicativo de corrida de estimação.
O teste final
Para decidir qual seria minha escolha, resolvi colocar a prova quatro aplicativos em uma mesma corrida. Os escolhidos foram Strava, MapMyRun (da marca UnderArmour), Nike Run Club e Runkeeper. Faltou o Adidas Training, que, por um esquecimento, acabei não acionando na hora de começar a correria.
A pista usada para o teste não poderia ser outra que não a que corri meus primeiros quilômetros monitorados por um aplicativo, lá pelos idos de novembro de 2022. O objetivo era correr a mesma distância, 7,2 km, em cerca de 45 minutos, e ver como cada app performava.
Os apps foram iniciados e finalizados praticamente de forma simultânea. Os resultados de distância e calorias, porém, variaram consideravelmente. Nem vou entrar no mérito do gasto calórico. Nem no fato de que as marcações da pista em que corri podem ter uma leve imprecisão, também. Mas, em relação à distância mostrada, escolhi meu vencedor.
Você pode conferir o resultado de cada um, organizados do mais preciso para o menos preciso, nas imagens abaixo.
Foi o Strava que mais se aproximou dos esperados 7,2 km, errando por 150 metros em comparação ao percurso total. A diferença foi maior no caso do MapMyRun (360 m a menos). Mas não é nada que vai mudar a cotação do dólar, especialmente no caso de um corredor amador.
Os resultados foram parecidos com o que observou Hugo Barreto, youtuber português que fez um teste em seu canal analisando os mesmos apps. Vou deixar o vídeo dele .
A moral da história é: escolha o aplicativo que mais tenha funcionalidades que conversem com suas expectativas — e os gadgets que você tem a mão, claro. Tenho usado o Strava nos últimos tempos; gostei da cara de rede social e das ferramentas de gamificação da corrida da plataforma. Mas também sei de gente que está muito bem, obrigado, usando algum desses outros apps que citamos acima.
Um resumo da ópera
A lista de fatores abaixo pode influenciar na marcação do GPS por um app de corrida:
- Circuito – se for fechado, muito curto, cheio de curvas e for repetido por várias vezes, a precisão do app pode oscilar. Nada muito expressivo, mas acontece.
- O modelo de celular, sim, importa e muito: smartphones com suporte para mais sistemas de satélites e um melhor hardware podem registrar dados de forma mais precisa.
- Onde você segura o celular – levar em uma cinta acima da cintura, preso ao braço ou na mão é bem melhor do que no bolso.
- As permissões do aplicativo precisam garantir que ele continue funcionando em segundo plano. Certifique-se de que o modo de economia de bateria do aparelho está desligado – isso pode causar problemas com o GPS.
Boas corridas!