Durante anos, cientistas esperam utilizar a tecnologia de edição de genes CRISPR para ajudar a tratar todos os tipos de doenças, incluindo o câncer. Agora, pela primeira vez nos EUA, os pesquisadores dizem que mostraram que as células imunológicas editadas pelo CRISPR podem ser administradas com segurança a pacientes com câncer e sobreviver por até nove meses — uma descoberta que pode sinalizar o futuro do CRISPR como parte de um tratamento de câncer em desenvolvimento conhecido como imunoterapia.
A ideia de que podemos não é nova. Mas só recentemente é que os pesquisadores têm conseguido fazer avanços substanciais nesse campo. Existem diferentes técnicas, mas uma que tem recebido muita atenção envolve reprogramar as células de defesa do nosso sistema imunológico, conhecidas como células T, para atacar a doença.
As células T são retiradas do sangue de um paciente, cultivadas e modificadas no laboratório para que sejam direcionadas para células tumorais, e depois reintroduzidas de volta ao corpo.
Essas terapias com células T já estão prolongando a vida de pacientes que vivem com cânceres que de outra forma não poderiam ser tratados, mas têm seus inconvenientes. Por vezes, as células T alteradas podem desencadear uma sobrecarga do sistema imunológico contra o corpo, deteriorando outros aspectos de saúde. Outras vezes, as células T podem não sobreviver ou ser eficazes contra as células cancerígenas por tempo suficiente para que a terapia funcione.
Esses aspectos negativos levaram os pesquisadores a explorar novas formas de modificar as células T para impulsionar o processo de eliminação de câncer, além de torná-las mais seguras. E um dos principais candidatos a esse reforço tem sido o CRISPR, segundo o autor do novo estudo Carl June, pesquisador de câncer da Universidade da Pensilvânia e um dos da terapia com células T.
“A promessa do CRISPR tem sido sobre sua flexibilidade de ser capaz de pegar várias agulhas no palheiro, se você quiser”, disse June ao Gizmodo por telefone.
TCR-T, um dos tipos de terapia
Uma área de pesquisa em imunoterapia com células T, por exemplo, envolveu a modificação genética dos receptores encontrados na superfície das células T para que elas possam reconhecer mais facilmente proteínas específicas do câncer geradas por células tumorais — uma técnica conhecida como TCR-T.
Um obstáculo para a TCR-T em experiências tem sido que as alterações feitas a essas células T às vezes não aderem ou não são tão potentes ou seguras como deveriam ser, em parte devido à interferência dos receptores naturalmente expressos das células T.
Cientistas como June teorizaram que o CRISPR, que usa enzimas para cortar e/ou inserir pedaços de DNA em uma célula, pode ser usado com segurança para derrubar vários desses obstáculos naturais de uma só vez, o que fortaleceria o processo de TCR-T.
Em um novo artigo nesta quinta-feira (6) na Science, June e sua equipe detalharam como testaram se essas células editadas podem viver no corpo humano sem causar nenhum problema inesperado.
Uma preocupação significativa foi que como uma enzima importante usada pelo CRISPR é derivada de bactérias, a introdução de células T editadas pelo CRISPR no corpo poderia causar uma resposta imunológica; isso poderia matar as células antes mesmo que elas começassem a trabalhar contra um tumor.
Nos três pacientes que foram estudados, todos com câncer avançado que não responderam a outros tratamentos, havia também a preocupação de que seus sistemas imunológicos poderiam ter sido danificados demais por terapias anteriores de modo que as células T não talvez não sobrevivessem por muito tempo.
“Descobrimos o contrário, que temos muito mais tempo de sobrevivência dessas células. E em níveis muito altos e muito fortes”, disse June. “E não vimos qualquer aumento na resposta imunológica.”
O estudo é um ensaio clínico de Fase 1, o que significa que se destinava apenas a testar se a abordagem é segura para ser usada em pessoas. Portanto, ainda não podemos dizer se o CRISPR pode realmente aumentar a eficácia e segurança da TCR-T ou de outras imunoterapias de células T.
Na China, a pesquisa do CRISPR em humanos tem progredido mais rapidamente, embora tenha havido preocupações sobre a segurança e a ética desses estudos.
Avanços em toda a medicina
June e sua equipe estão esperançosos de que o CRISPR esteja prestes a melhorar não apenas o tratamento do câncer, mas a medicina em geral. Esse teste começou em 2016, e nos anos seguintes, os cientistas só melhoraram a na edição do DNA.
“Penso que agora, o CRISPR pode se estender a muitos tipos diferentes de terapias, para além do câncer. E não serão apenas células T”, disse June, referindo-se aos contínuos e promissores para reparar os glóbulos vermelhos de alguém que tenha anemia falciforme. “Será realmente uma época incrível nos próximos cinco anos. Muitas doenças que antes eram letais, terão agora um tratamento.”
June e a sua equipe já estão trabalhando num teste maior em humanos que irá analisar o CRISPR para a terapia celular CAR-T, um tratamento que já obteve aprovação da FDA (órgão americano equivalente à Anvisa) para determinados cânceres, mas que pode causar efeitos colaterais graves.
Quanto aos três pacientes desse estudo, um morreu de câncer no ano passado, enquanto os outros dois ainda estão vivos e em outras formas de quimioterapia. De acordo com June, pode ser oferecida a eles a participação no próximo estudo, mas isso dependerá dos critérios definidos pela FDA.