Ciência

Técnica de medicina nuclear é usada para estudar a doença de Alzheimer em pessoas com síndrome de Down

Equipamento que tornou possível avaliar o avanço desse tipo de demência por meio de imagens cerebrais foi adquirido por grupo da USP com financiamento da FAPESP. Resultados recentes foram apresentados em simpósio que comemorou os dez anos do projeto
Imagem: Pexels/Reprodução

Texto: Maria Fernanda Ziegler |

Pessoas com síndrome de Down apresentam envelhecimento acelerado e grande incidência da doença de Alzheimer na velhice. Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) mapearam nessa população, por meio de técnicas de medicina nuclear, a presença de neuroinflamação e de um marcador importante desse tipo de demência: a placa beta-amiloide – formada por fragmentos de peptídeo amiloide que se depositam entre os neurônios causando inflamação e interrompendo a comunicação neural.

“Este foi o primeiro estudo no mundo a observar como se dá a neuroinflamação nessa população por meio de tomografia por emissão de pósitrons [PET, na sigla em inglês], com uso de radiofármacos específicos”, contou à Agência FAPESP , pesquisadora do Laboratório de Medicina Nuclear (LIM43) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FM-USP).

A investigação foi conduzida no âmbito de um desenvolvido em parceria com o Instituto Jô Clemente, o que possibilitou aos pesquisadores avaliar o cérebro de indivíduos com síndrome de Down de diferentes faixas etárias.

Estudo avaliou o cérebro de indivíduos com síndrome de Down de diferentes faixas etárias (imagem: Daniele de Paula Faria)Estudo avaliou o cérebro de indivíduos com síndrome de Down de diferentes faixas etárias (imagem: Daniele de Paula Faria)

“Já se sabia que o processo de envelhecimento nessa população ocorre cerca de 20 anos adiantado, com menopausa precoce e o diagnóstico de doença de Alzheimer já após os 40 anos, por exemplo. Um aspecto importante é que o gene da proteína precursora amiloide [APP] está localizado no cromossomo 21, que é triplicado na síndrome de Down. Portanto, já era sabido que esses indivíduos produzem mais beta-amiloide que aqueles sem a síndrome. Nosso estudo foi importante, pois ainda não havia um entendimento aprofundado sobre os padrões de neuroinflamação no cérebro vivo de pessoas com síndrome de Down”, explicou a pesquisadora para a Agência FAPESP.

Os pesquisadores também acompanharam, ao longo de dois anos, a progressão da neuroinflamação e das placas beta-amiloide em camundongos modificados geneticamente para desenvolver uma condição semelhante à síndrome de Down. Vale lembrar que o ciclo de vida dos roedores é mais curto que o dos humanos e, portanto, um animal de dois anos equivaleria a um humano de 80. “Conseguimos avaliar, com um equipamento específico para pequenos animais, toda a progressão da doença nos roedores. O estudo com os camundongos, somado ao feito com o grupo de indivíduos com síndrome de Down, nos trazem respostas importantes sobre o processo de envelhecimento dessa população”, afirmou a pesquisadora.

Por dentro do cérebro

Esses dados ainda não publicados foram apresentados por Faria durante o , realizado nos dias 11 e 12 de setembro no Instituto de Radiologia do HC-FM-USP. Um dos objetivos do evento foi comemorar os dez anos da primeira imagem amiloide obtida no Brasil, o que foi possível com a compra dos equipamentos que produzem os radiofármacos (11C-PIB e 11C-PK11195) usados para visualizar as placas e a neuroinflamação no cérebro humano vivo. A aquisição ocorreu por meio de um liderado por , coordenador do LIM21 (leia mais em: ).

 Equipamento usado na síntese de radiofármacos marcados com carbono-11 (foto: CinRad)Equipamento usado na síntese de radiofármacos marcados com carbono-11 (foto: CinRad)

Como explica Faria, moléculas marcadas com radioisótopos (chamadas de radiofármacos) são injetadas no cérebro para sinalizar as regiões em que há acúmulo de peptídeo beta-amiloide. Na sequência, é possível visualizar as placas e o avanço da neuroinflamação pela tomografia por emissão de pósitrons, equipamento de imagem parecido com uma ressonância magnética. A metodologia foi validada no Brasil pelo grupo da USP e, aliada a outras análises, constitui uma ferramenta importante para diferenciar casos de doença de Alzheimer de outros tipos de demências. Também permite estudar como a doença progride em populações específicas, como os indivíduos com síndrome de Down ou com esclerose múltipla. Na palestra de encerramento do simpósio, Marco Antonio Zago, presidente da FAPESP, afirmou que o projeto é um exemplo da solidez da ciência produzida no Estado de São Paulo. “Isso se deve a três fatores essencialmente. Um deles é o financiamento estável. Essa estabilidade nos permite fazer programas de pesquisa de dez anos, que podem render avanços, nos diferenciar e dar força ao desenvolvimento do Estado. O segundo ponto é o corpo de pesquisadores capacitados. O terceiro é que temos instituições de excelência, como é o caso das universidades dos institutos de pesquisa que têm um grande papel na história e no desenvolvimento de São Paulo. Tudo isso faz com que a estrutura de suporte à ciência e tecnologia se destaque e possa servir de exemplo para o restante do país”, disse. O presidente da Fundação também apresentou oportunidades de financiamento de pesquisa, sobretudo para os jovens cientistas que participavam do evento. “Atualmente vivemos uma crise de formação de recursos humanos e uma crise de interesse dos nossos jovens pela vida universitária. Então é muito bom fazermos uma conversa sobre possibilidades de financiamento para atrairmos talentos e novos projetos importantes”, acrescentou.
 Marco Antonio Zago, presidente da FAPESP, apresentou a palestra de encerramento do simpósio (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)Marco Antonio Zago, presidente da FAPESP, apresentou a palestra de encerramento do simpósio (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)
Além de celebrar os dez anos do início da realização de imagens PET amiloide no Brasil e de apresentar os resultados obtidos no período com o uso da técnica, o simpósio teve o objetivo de discutir os aspectos mais atuais da pesquisa em neuroimagem molecular em doenças neurodegenerativas com especialistas nacionais e internacionais. Entre os presentes estavam Tharick Pascoal, da University of Pittsburgh School of Medicine (Estados Unidos), que falou sobre o uso de biomarcadores em pesquisa; David Jones, da Mayo Clinic (Estados Unidos), que abordou o uso de inteligência artificial nos estudos com imagem molecular; e Juan Fortea, do Hospital de la Santa Creu i Sant Pau (Espanha), que explicou como a síndrome de Down pode ser um modelo de estudo para doenças neurodegenerativas.

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