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]]>Texto: Fernanda Zibordi* / Arte: Joyce Tenório** / Jornal da USP
A exposição prolongada a situações traumáticas, como abusos ou contextos de guerra e de violência, pode afetar o comportamento social humano de forma a dificultar a construção de laços interpessoais. Uma pesquisa do Instituto de Psicologia (IP) da USP em associação com o Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das ClÃnicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) realizou procedimentos experimentais em pacientes diagnosticados com transtorno de estresse pós-traumático complexo (TEPTC) para avaliar comportamentos pautados em relações de confiança.
Adicionado à  11ª edição da Classificação Internacional de Doenças da OMS (Organização Mundial da Saúde), o transtorno de estresse pós-traumático complexo apresenta caracterÃsticas que não se limitam à s observadas no transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Além de memórias intrusivas, pesadelos e hipervigilância, o TEPTC também inclui sintomas de perturbação do self â€?associado à formação da identidade do indivÃduo.
Foram coletados dados sociodemográficos �como idade, tipos de trauma, diagnósticos psiquiátricos, estado civil e grau de escolaridade �de 88 pessoas, que participaram de um experimento chamado Jogo da Confiança. Por meio da visualização de faces avaliadas com valores neutros de confiabilidade e atratividade pelo Chicago Face Database �as quais a pesquisadora separou em grupos classificados como confiáveis, neutros ou não confiáveis � os voluntários deveriam selecionar os parceiros nos quais eles gostariam de confiar. Após isso, eles receberam pontos de recompensa de acordo com suas escolhas. “Como são várias rodadas, o participante vai aprendendo qual é a foto que representa a pessoa que é confiável e qual é a não confiável� explica Elizabeth.
Depois dessa etapa, os participantes foram submetidos a um teste em que deveriam selecionar faces de potenciais parceiros para uma outra rodada hipotética do jogo, tendo a possibilidade de escolher entre uma delas ou uma silhueta indefinida. “A ideia desses rostos é que se pareçam com pessoas novas, que nunca foram mostradas para os participantes, mas o que eu fiz foi manipular digitalmente as imagens dos parceiros originais de forma que pareçam outras pessoasâ€? diz a psicóloga. Ela explica que o procedimento foi realizado tanto antes quanto depois da intervenção psicoterápica, de forma a observar os possÃveis efeitos dela em pessoas com TEPTC.
“Sou a favor de pesquisas que envolvam medidas comportamentais, que não envolvem apenas responder escalas, responder testes. Vemos realmente a pessoa se comportando ali e medimos isso de alguma forma. Acho que [esse tipo de estudo] traz informações muito ricas para a nossa área.�/p>
Elizabeth Albregard
O resultado esperado em condições saudáveis seria o desenvolvimento, por parte dos participantes, de uma boa resposta de discriminação, ou seja, uma melhora na capacidade de diferenciar os perfis confiáveis dos não confiáveis. “Mas o que a gente observou nas pessoas com TEPT complexo foi que elas passaram a confiar mais em todo mundo� diz Elizabeth, ao destacar que os investimentos desse grupo nos parceiros não confiáveis não mudaram significativamente ou aumentaram após a intervenção psicoterápica.
Felipe Corchs pontua que, por enquanto, existem apenas hipóteses que explicariam esse comportamento. Ele pode estar associado a uma tendência de pessoas com transtornos de ansiedade como o TEPT e o TEPTC a generalizarem mais o que se configura como ameaça.
“Quanto mais potencialmente perigosa é uma situação, um ambiente ou um momento da sua vida, mais vale a pena responder a tudo como se fosse ameaçador.�/p>
Felipe Corchs
Para lidar com essas dificuldades de discriminação, a pesquisa propõe procedimentos terapêuticos baseados em treinos discriminativos personalizados, com o objetivo de que o paciente, ao invés de diferenciar um formato de rosto ou um estilo de cabelo, “aprenda a diferenciar contextos da vida dele que sejam seguros e não seguros�
Ainda que o Jogo da Confiança trabalhe com aspectos importantes de relações interpessoais, ele não reflete adequadamente situações de confiança na vida real pelo fato de ser limitado a respostas de caracterÃsticas fÃsicas. “Apesar de ter sido o objeto e o estÃmulo que utilizamos na pesquisa, não é o estÃmulo que faremos no treino. Vamos fazer um treino para tipos de comportamentosâ€? declara o psiquiatra.
Laços de confiança são vistos como cruciais para a recuperação psicológica de sobreviventes com traumas, já que, de acordo com a pesquisadora, o desenvolvimento destes vÃnculos permite que as pessoas lidem com relacionamentos interpessoais em diversas situações da vida ao passarem a trabalhar com “interações mutuamente cooperativasâ€?
A dissertação Avaliação de interações de confiança em pessoas com Transtorno de Estresse Pós-Traumático Complexo pode ser lida aqui.
Mais informações: [email protected], Elizabeth Fortunatti Albregard
*Estagiária, com orientação de Luiza Caires
**Estagiária, com orientação de Moisés Dorado
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