Sim, você também engole “fake news”
Se você está na média, começa a sua dieta de informação em uma rede social. Dependendo de qual rede, vai fazer ‘scrolling down’ nas postagens até que apareça uma manchete que chame sua atenção. Não será nada relevante, que tenha real impacto na sua vida, como a aprovação de uma lei sobre educação ou meio ambiente. Provavelmente, é um vídeo bizarro ou algum amigo ou amiga criticando o político que você adora odiar. Pense de novo: você tem certeza de que os desinformados (e o inferno) são os outros?
Deixe o Sartre para lá. O debate público está com um nível de poluição sem precedentes, mas a sua certeza é parte do problema. Não se sinta ofendido. Não é uma acusação de burrice. Melhor ainda: se você é inteligente e com mais educação formal, tende a achar que identifica ‘fake news’ melhor do que uma pessoa mais simples. Sim, você tem um repertório maior, mas diversos estudos indicam que justamente por confiar mais na sua inteligência, você tende a raramente refletir ou verificar a informação. Para piorar, nunca teve tanta informação na sua frente e você fica ansioso querendo processar tudo. Não tem como não dar problema.
Daí vem um outro elemento que é um problema de 10 em 10 Lulistas e Bozistas: cada vez que você se depara com uma informação que ameaça a sua identidade, seu cérebro simplesmente ignora ou reage indignado. A lógica diz que qualquer informação nova precisa ser analisada sem parcialidade, mas hoje, isso é impossível. Para preservar a imagem que você tem de si mesmo, inconscientemente você prefere ignorar uma potencial verdade a correr o risco de “estar errado”.
Pense bem: quantas teorias da conspiração você comprou sem piscar porque eram contra seu odiado favorito? A conta de Fernando Henrique na Suíça? Lula dono da Friboi? Hélio Bicudo trabalhando pelo impeachment porque estava senil? Soninha amante de José Serra? França ameaça invadir o Brasil para dominar a Amazônia? Campanha de Marina Silva bancada pelo banco Itaú? O ponto é que, num ambiente contaminado pela intransigência, a verdade não importa – o importante é ter razão. Pronto: você ingeriu todas essas “verdades” sem pestanejar.
A tecnologia criou a “tempestade perfeita” para essa contaminação com a personalização. Quando você está na sua rede social, você acha que está vendo o que quer, mas é outra ilusão sua. O algoritmo escolhe o que você vai ver baseado única e exclusivamente em uma coisa: no que você clica mais. Essa personalização vai criando uma bolha particular ao seu redor que fica tão confortável que deixa você mais reativo, mais propenso a clicar e pronto: você deixou de ser um usuário para virar uma picanha para os olhos dos anunciantes.
Você acha que está sempre certo porque, a esta altura, você praticamente não tem mais contato com toda a realidade – tem apenas a parte mais confortável. Boa parte dos “outros” não são necessariamente idiotas – eles também estão “certos” – na “realidade” deles. A sua certeza é nada mais do que um quarto de espelhos que o Facebook montou para você esquecer da vida. E você esquece. Você lembra quando foi a última vez que foi atrás de fontes de informação confiáveis sem pensar se ela era petralha ou bolsominion? Então: aquela foi a última vez que você teve contato com a realidade. Depois disso, era só você feliz no seu quarto com tudo feito à sua imagem e semelhança…