Um sensor descartável de baixo custo e uso simples, feito de papelão e contendo nanopartículas de ouro, poderá vir a ser uma ferramenta útil para monitorar a qualidade da água consumida pela população. Em fase final de desenvolvimento, o dispositivo analítico foi projetado pela equipe do químico Thiago Regis Longo Cesar da Paixão, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) e coordenador do Laboratório de Línguas Eletrônicas e Sensores Químicos da mesma instituição. A pesquisa, apoiada pela FAPESP, resultou em um artigo publicado no início deste ano na revista científica Sensors & Diagnostics. Um pedido de patente do processo de fabricação está sendo elaborado pelo grupo.

“Produzir sensores baratos que possam estar espalhados pelo Brasil possibilita o monitoramento em tempo real da água servida à população. Os dados colhidos podem orientar a criação de políticas públicas por agentes governamentais e ajudar a tomada de decisão das empresas de tratamento de água”, destaca Paixão. O custo estimado do sensor, sujeito à confirmação, é de R$ 0,50.

O processo de fabricação do dispositivo, um pequeno retângulo de papelão medindo 15 milímetros (mm) de largura por 20 mm de comprimento e 1 mm de espessura, é praticamente isento de reagentes químicos, comumente utilizados na fabricação de sensores, e quase totalmente automatizado. Além do papelão, que pode ser proveniente de um processo de reciclagem, os pesquisadores usaram cola adesiva, spray impermeabilizante e um pequeno volume de solução de ouro (30 microgramas). Um laser de dióxido de carbono (CO2) aplicado sobre o papelão é responsável por criar as trilhas condutoras, a base dos eletrodos de detecção. A solução de ouro é adicionada às trilhas e, em seguida, uma nova aplicação de laser sintetiza as nanopartículas de ouro ().

“As nanopartículas são responsáveis por melhorar o desempenho do dispositivo”, explica o pesquisador. “O sensor realiza medidas de corrente elétrica oriunda de uma reação eletroquímica que ocorre na superfície condutora ao se aplicar um potencial elétrico. Quanto maior a concentração da substância química que se quer identificar na amostra de água colocada no sensor, maior será a corrente gerada.” O potencial elétrico que deve ser aplicado ao eletrodo central para fazer o dispositivo funcionar é de -0,2 volt (V), inferior ao de uma pilha pequena do tipo AAA (1,5 V).

O fato de ser produzido sem manipulação humana confere vantagens. “Muitas vezes temos em laboratório uma série de etapas manuais para a elaboração de sensores. Elas fazem com que os dispositivos não tenham muita reprodutibilidade. Quando recorremos a máquinas, como a que emite o laser, evitamos essa intervenção artesanal no processo de fabricação do dispositivo”, conta Paixão.
Rodrigo Cunha
O químico Wendell Karlos Tomazelli Coltro, diretor do Instituto de Química da Universidade Federal de Goiás (IQ-UFG), que não participou do estudo, concorda. “A tecnologia baseada no uso do laser é muito atrativa por permitir escalar a produção com alta reprodutibilidade”, avalia. Para Coltro, o dispositivo apresenta elevado nível de inovação. “A equipe da USP foi pioneira na proposição do emprego do laser para produzir sensores em papelão. O uso desse material torna o dispositivo sustentável e permite que venha a ser fabricado em qualquer lugar do mundo”, diz.

Nos ensaios em laboratório para avaliar o desempenho do sensor, os pesquisadores usaram como prova de conceito o hipoclorito de sódio. Popularmente conhecida como cloro, a substância é usada como desinfetante em águas de piscina. Em altas concentrações, pode ser prejudicial à saúde. O nível máximo de cloro livre permitido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em piscinas é de 3 a 5 partes por milhão (ppm). No estudo feito no Instituto de Química, segundo o artigo publicado na Sensors & Diagnostics, foi possível detectar até 0,50 ppm de hipoclorito de sódio na água.

Para identificar outras espécies químicas em amostras de água, a plataforma teria que ser adaptada – o termo espécie química refere-se às diversas formas que as substâncias químicas se encontram na natureza, como átomos, moléculas, íons. “Já projetamos sensores para medir metais tóxicos, pesticidas e fármacos, além de outras espécies de interesse ambiental, como nitrito e nitrato”, diz o pesquisador da USP. Para cada substância seria preciso projetar um sensor específico, mas há a possibilidade de montar um arranjo de sensores para realizar a detecção simultânea de várias substâncias. Por enquanto, apenas o sensor foi criado, mas os pesquisadores da USP dizem ter capacidade para projetar o sistema completo, o que inclui o dispositivo que faz a leitura dos dados, ainda sem custo estimado. É possível também usar um modelo de leitor portátil disponível no mercado – algo parecido com o que se faz hoje com as fitas para medir os níveis de glicose no sangue, que são inseridas em instrumentos chamados glicosímetros. O próximo passo da pesquisa é criar um plano-piloto para testagem do sensor em larga escala, na residência das pessoas, por usuários não treinados. O ensaio com a população ajudará no aperfeiçoamento do dispositivo. Numa etapa posterior, o grupo pretende encontrar uma empresa que se interesse por fazer a produção comercial do sensor. “Já há conversas em andamento”, revela Paixão, destacando que a busca por sensores de papelão ou arranjos desses dispositivos para monitorar a qualidade da água em tempo real não ocorre apenas no Brasil. As startups LAIIER, em Londres, na Inglaterra, iFlux, em Niel, na Bélgica, e OmniVis, em São Francisco, nos Estados Unidos, informa o pesquisador, também trabalham no projeto de aparelhos desse tipo.

Projeto
Sensores químicos miniaturizados e integrados: Novas plataformas de fabricação para aplicações biológicas, clínicas e ambientais (); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Mauro Bertotti (USP); Investimento R$ 4.756.859,76.

Artigo científico
ARANTES, I. V. S. et al. . Sensors & Diagnostics. v. 2, p. 111-21. 2023.