Mais da metade (60,3%) dos brasileiros se diz interessada ou muito interessada por temas de ciência e tecnologia (C&T), segundo dados da pesquisa . Os resultados foram divulgados no dia 15 de maio pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O índice está no mesmo patamar de 2019, que era de 61%. “A população ainda vê mais benefícios do que malefícios na ciência, tem uma visão mais crítica e acredita que a área precisa receber mais investimentos”, resume a historiadora Adriana Badaró, coordenadora do estudo.
Em sua sexta edição, a pesquisa trouxe novidades como a visão dos participantes sobre mudanças climáticas e o consumo de desinformação. Os dados revelaram que metade dos 1.931 entrevistados (50,8%) se depara com notícias falsas com muita frequência – e, enquanto outros 29,2% dizem ver esse tipo de conteúdo de maneira ocasional, apenas 5,1% relatam nunca encontrar fake news. Os participantes foram ouvidos entre novembro e dezembro de 2023, tinham mais de 16 anos e eram de todas as regiões do país.
A pesquisa também detectou um avanço das mídias sociais como fontes de conhecimento: em 2023, quase 40% dos entrevistados buscaram e consumiram com frequência informações sobre ciência, tecnologia, saúde e meio ambiente principalmente nas redes sociais, aplicativos de mensagens e plataformas digitais (ver infográfico abaixo) – até 2015, a televisão ocupava esse posto. Instagram, Facebook, YouTube e WhatsApp foram as principais redes usadas.
“De um lado há o crescimento no uso das mídias sociais e, de outro, um índice elevado de contato com notícias falsas. É importante analisar esses dados em conjunto para encontrar pistas sobre como criar estratégias para combater a desinformação científica”, avalia o sociólogo Marcelo Paiva, assessor técnico do CGEE. O centro estuda fazer rodadas de pesquisas com foco em mídias sociais e desinformação em períodos mais curtos, de dois anos – a pesquisa de percepção tem sido conduzida com intervalos longos, de quatro anos ou mais (1987, 2006, 2010, 2015 e 2019).
Sobre as mudanças climáticas, 95,4% dos entrevistados afirmaram ter consciência de que elas estão ocorrendo. Entre eles, 78,2% acreditam que elas são causadas principalmente pela ação humana, como apontam as evidências científicas, enquanto 19,6% afirmam que elas ocorrem de maneira natural
À frente de ciência e tecnologia, os temas que mais despertam o interesse dos entrevistados são medicina e saúde (77,9%), meio ambiente (76,2%) e religião (70,5%). Para 66,2% dos entrevistados, a ciência e a tecnologia trazem apenas benefícios ou mais benefícios que malefícios para a humanidade, proporção menor que a de 2019 (72,1%). Esse índice já esteve em 81,2% em 2010. Aqueles que veem a ciência e a tecnologia como neutras – trazem tanto benefícios como malefícios – cresceram de 18,9%, em 2019, para 24,6%, em 2023. Na avaliação de Badaró, esse movimento não indica o crescimento de uma visão negativa. “Historicamente, o Brasil se destaca como um país muito otimista em relação à ciência. Pode ser que nos últimos anos a população venha desenvolvendo um olhar mais crítico sobre o fazer científico, mas ter uma visão crítica não é algo ruim”, pondera.
A historiadora destaca que essa hipótese é reforçada por um outro dado: quando questionados se o governo deveria aumentar, manter ou diminuir os investimentos em C&T, 82% dos brasileiros apoiaram o aumento e 12% disseram que os recursos deveriam ser mantidos. Em 2019, esses índices eram de 66% para o aumento e 24% para a manutenção.
Também aumentou de 24% para 32,7%, entre 2019 e 2023, o contingente de pessoas que disse ter visitado zoológicos, parques e jardins botânicos nos 12 meses anteriores. O índice, contudo, não supera o de 2015, que foi de 41,5%. Visitas aos museus de ciência e tecnologia foram mencionadas por 11,5% dos entrevistados, ante 6,3% em 2019 e 12,3% em 2015.
Imagem: Alexandre Affonso/Revista Pesquisa Fapesp
Já o conhecimento sobre a ciência brasileira ainda tem um campo amplo para ser trabalhado, segundo o estudo. Apenas 17,9% dos brasileiros souberam indicar o nome de alguma instituição de pesquisa científica em 2023: Instituto Butantan, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Universidade de São Paulo (USP) foram as mais lembradas. Já 9,6% se lembraram do nome de um cientista, como Carlos Chagas (1878-1934) e Oswaldo Cruz (1872-1917).
Mesmo assim, houve um aumento de quase 9% no contingente dos que se lembram de alguma instituição de pesquisa e 3% de algum pesquisador em relação a 2019. Badaró avalia que esse crescimento pode estar relacionado com a pandemia de Covid-19, quando instituições e cientistas estiveram em evidência no noticiário.
Para Simone Pallone, pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que não participou do estudo, seria de esperar que esse crescimento fosse maior. “Com a pandemia e a alta exposição dos institutos, dos cientistas e do próprio processo científico, a expectativa era de que houvesse um aumento significativo do interesse geral por C&T e o conhecimento sobre esses atores”, observa. Ela destaca ainda que a série histórica mostra uma tendência de queda em indicadores como o interesse em C&T e meio ambiente, que estão hoje abaixo do que eram em 2010, 64,2% e 83%, respectivamente.
Pallone enfatiza que os dados da pesquisa são ferramentas importantes para orientação de políticas públicas e que, na sua avaliação, podem embasar estudos aprofundados. “O ideal seria analisar o interesse e a confiança em C&T também com metodologias qualitativas, como etnografia e entrevistas em profundidade, para entender melhor o que as pessoas pensam sobre o setor”, propõe. Paiva, do CGEE, interpreta que o crescimento de alguns índices que caíram na pesquisa anterior pode apontar uma nova tendência. “O Brasil passou por uma crise de confiança pública em suas instituições, inclusive nas científicas, e agora pode estar se recuperando”, sugere.
Relatório
CENTRO DE GESTÃO E ESTUDOS ESTRATÉGICOS ‒ CGEE. Percepção pública da C&T no Brasil 2023. Resumo Executivo. Brasília, DF: CGEE, 2024.