Queda na aplicação da vacina tríplice viral ocorreu em diferentes ritmos
Texto: Giselle Soares/Revista Pesquisa Fapesp
Pouco depois de receber em 2016 a certificação internacional de país livre do sarampo, o Brasil voltou a apresentar surtos dessa infecção viral que debilita o sistema imune, em especial das crianças, e pode levar à morte. Foram 9,3 mil casos em 2018, 20 mil em 2019 e 8,1 mil em 2020, números muito mais elevados que os das duas décadas anteriores e semelhantes aos dos anos 1990, segundo dados do Ministério da Saúde. O ressurgimento recente da doença parece ser consequência de um fenômeno que vem se instalando no país há algum tempo e se acelerou nos últimos anos: a queda nas taxas de vacinação infantil (ver Pesquisa FAPESP nºs e ). Um estudo conduzido por pesquisadores do Brasil e do Reino Unido, publicado no início de agosto na revista PLOS Global Public Health, mapeou a evolução da cobertura da vacina tríplice viral em 5.565 municípios brasileiros – quase a totalidade – e identificou três fases de declínio entre 2006 e 2020, sempre mais intenso nas cidades e regiões mais carentes.
O artigo publicado na PLOS Global Public Health corrobora resultados de outros trabalhos que analisaram a queda de cobertura vacinal no país. Em um estudo publicado em 2020 nos Cadernos de Saúde Pública, o pesquisador Luiz Henrique Arroyo e colaboradores da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) avaliaram a heterogeneidade regional na cobertura de três vacinas (BCG, contra a poliomielite e tríplice viral) no Brasil entre 2006 e 2016. Eles identificaram no Pará, no Maranhão e na Bahia, estados nos quais a proporção de crianças que receberam a vacina tríplice viral diminuiu em um ritmo anual mais rápido do que no restante do Brasil, aglomerados de alto risco para o surgimento de surtos. Em outro trabalho, publicado este ano na Ciência & Saúde Coletiva, a epidemiologista Ana Paula Sayuri Sato, pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da USP em São Paulo e coautora do artigo da PLOS Global Public Health, constatou que a pandemia de Covid-19 intensificou as disparidades em saúde no Brasil, reduzindo ainda mais a cobertura da vacina contra o sarampo nos municípios com maior vulnerabilidade social. A queda foi acentuada nas regiões Norte e Nordeste, que são mais pobres, desiguais e com menor cobertura da Estratégia de Saúde da Família, programa em que equipes multiprofissionais prestam atenção básica à saúde nas comunidades.
São várias as possíveis razões para explicar a queda na cobertura vacinal. Da recusa crescente da vacinação à falta de conhecimento dos riscos associados a doenças que podem ser prevenidas com os imunizantes, além de um esquema de vacinação cada vez mais complexo – o PNI inclui atualmente 17 imunizantes no calendário infantil. A epidemiologista Júlia Pescarini, outra coautora do artigo, acrescenta mais um fator: o econômico. “A velocidade de queda na cobertura da tríplice viral aumentou em períodos de crise econômica, que coincidem com cortes de investimentos na área da saúde”, afirma Pescarini, pesquisadora da Fiocruz na Bahia e professora na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres. “Nossos dados vão ao encontro dos de outros estudos que demonstram que a falta de investimento em unidades básicas de saúde ou em campanhas de vacinação pode ter levado à piora de vários outros indicadores de saúde. Além disso, o financiamento do SUS [Sistema Único de Saúde] é tripartite, federal, estadual e municipal. Os municípios mais pobres dependem mais de verbas federais e estaduais do que um município rico”, comenta.Artigos científicos
GODIN, A. et al. . PLOS Global Public Health. 1º ago. 2023.
ARROYO, L. H. et al. . Cadernos de Saúde Pública, v. 36, n. 4, p. e00015619. 2020.
SATO, A. P. S. et al. Ciência & Saúde Coletiva, v. 28, n. 2, p. 351-62. fev. 2023.