Projeto brasileiro de trem de levitação magnética inicia nova fase de testes
Texto: Domingos Zaparolli/
O Brasil dá mais um passo no desenvolvimento de um trem de levitação magnética (maglev). Esses veículos futuristas, ainda raros no mundo, deslocam-se silenciosamente, sem emissão direta de poluentes – são eletrificados –, suspensos a poucos centímetros da via. Até o final do ano, pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) planejam iniciar uma nova fase de testes do primeiro veículo experimental em escala real do mundo dotado da tecnologia de levitação supercondutora (SML). O deslocamento do vagão, com 4,3 metros (m) de comprimento por 2 m de largura e capacidade para 20 passageiros, se dará em uma via elevada de 200 m, suspensa em relação ao solo, entre os Centros de Tecnologia 1 e 2 da UFRJ, na Ilha do Fundão, na capital fluminense.Um primeiro protótipo do veículo, construído de forma artesanal e bem menos sofisticado do que o modelo atual, operou experimentalmente entre 2015 e 2020 na mesma via de 200 m. “Vinte mil pessoas foram transportadas no período. Com a pandemia, o projeto foi paralisado por falta de recursos”, conta o engenheiro eletricista Richard Magdalena Stephan, do Programa de Engenharia Elétrica da Coppe, coordenador do desenvolvimento do MagLev-Cobra. Os resultados do primeiro ano de teste foram tema de publicado em 2016 no periódico científico IEEE Transactions on Applied Superconductivity.
O veículo foi aprimorado e ganhou novas funcionalidades, como operação autônoma, sem condutor – a tecnologia driveless foi criada pela Aerom. Também conta com sistema automático de abertura e fechamento de portas, refrigeração mais eficiente e melhor isolamento térmico e acústico, segundo seus desenvolvedores.
Estabilidade na levitação
A tecnologia de levitação supercondutora empregada no MagLev-Cobra aproveita as propriedades de materiais produzidos apenas no fim do século XX. Os trens transportam uma cerâmica constituída de óxido de ítrio, bário e cobre, e os trilhos são ímãs de terras-raras – ligas de neodímio-ferro-boro –, conforme explicam Stephan e colegas em divulgado na revista Eletronics, em 2020. Resfriada com nitrogênio líquido a 196 graus Celsius (oC) negativos, a cerâmica se torna supercondutora e expulsa o campo magnético produzido pelos ímãs. O diamagnetismo – a tendência de expulsar o campo magnético – gera uma força entre o supercondutor e o ímã, e é essa a força que faz o trem levitar.
Experiência chinesa
Os estudos sobre levitação magnética aplicada ao transporte de passageiros remontam ao início do século XX. Em 1912, o francês Emile Bachelet (1863-1946) depositou a primeira patente de levitação eletrodinâmica (EDL). A levitação eletromagnética (EML) foi proposta pelo alemão Hermann Kemper (1892-1977) em 1934. Foi apenas nos anos 1970 que começaram as primeiras pesquisas para desenvolver trens maglev, na Alemanha, no Japão e nos Estados Unidos. O conhecimento científico que permite a levitação com a tecnologia SML é mais recente, do fim dos anos 1980. Além do Brasil, a pesquisa sobre veículos maglev que empregam essa tecnologia se concentra principalmente na China e na Alemanha. A maioria dos projetos está em fase de ensaios laboratoriais. O protótipo mais avançado foi testado na Southwest Jiaotong University (SWJTU), em Chengdu, na China, em 2021 – seis anos após o início dos ensaios do protótipo artesanal do MagLev-Cobra. O projeto chinês difere do brasileiro em um ponto: visa ao transporte de alta velocidade, entre cidades, enquanto o da UFRJ tem foco em trajetos urbanos.O teste em escala real do protótipo da SWJTU aconteceu em uma via de 165 m. De acordo com o engenheiro mecânico Zigang Deng, líder da equipe de tecnologias HTS maglev na SWJTU, uma nova linha de testes de 1,6 km está sendo planejada para entrar em operação em 2025. “Queremos atingir velocidades superiores a mil km/h”, informou Deng a Pesquisa FAPESP.
O projeto, esclarece o pesquisador, tem apoio do governo chinês e parcerias estão sendo desenvolvidas com outras universidades e empresas estatais do país. “A tecnologia de operação do maglev SML em baixa velocidade está totalmente desenvolvida e foi demonstrada pela equipe da UFRJ”, constata Deng. Por isso, diz ele, a SWJTU optou por trabalhar em um projeto focado em aplicações em alta velocidade.Forças repulsivas e atrativas
Na tecnologia pioneira de levitação eletrodinâmica, os ímãs são transportados pelo trem e os trilhos são condutores normais. Para que a força repulsiva seja suficiente para sustentar os vagões, os trilhos precisam ficar sujeitos a um campo magnético que varia rapidamente. Por isso, a levitação só aparece quando a velocidade do trem é relativamente alta. A primeira linha EDL de demonstração e testes foi implementada em 1997 no Japão. Uma via de 42,8 km foi construída em 2013 em Yamanashi, localizada entre Tóquio e Osaka, também para ensaios. Dois anos depois, o veículo maglev EDL alcançou o recorde mundial de 603 km/h. “A levitação eletrodinâmica é uma tecnologia voltada para veículos de alta velocidade; não é adequada para trajetos urbanos. A levitação só ocorre após atingir 100 km/h”, esclarece Stephan. A primeira linha comercial de alta velocidade está prevista para operar entre Tóquio e Nagoya até 2030. A outra tecnologia, de levitação eletromagnética, utiliza as forças atrativas do magnetismo entre eletroímãs instalados nos veículos, em lugar das rodas, e materiais ferromagnéticos, nas vias. É indicada tanto para trajetos longos, nos quais o trem atinge maiores velocidades, quanto para percursos urbanos. Desde 2003, um veículo de alta velocidade construído com tecnologia alemã percorre os 30 km entre o Aeroporto Internacional de Shanghai-Pudong e Lujiazui, em Shanghai, na China, registrando até 450 km/h – foi a primeira operação comercial de um veículo de levitação magnética de alta velocidade. Além dela, existem hoje cinco operações maglev urbanas, com extensões que variam de 6 a 18 km, sendo três na China, uma no Japão e uma na Coreia do Sul, todas com o sistema EML. “Por conta das altas velocidades que atingem, os trens de levitação magnética, seja EML ou EDL, podem se tornar no futuro uma opção para ligar a Ásia e a Europa por terra”, cogita Cardoso, da USP.Um escrito por Stephan e Deng e publicado em 2023 em Modern Transportation Systems and Technologies destaca as vantagens do sistema SML em comparação à tecnologia EML, também destinada ao transporte urbano. “A levitação eletromagnética depende de fornecimento de energia de forma ininterrupta. Qualquer falha no fornecimento de eletricidade leva ao colapso do sistema de levitação”, diz. Como consequência, os veículos EML demandam sensores e sistemas de backup energético. Já na tecnologia SML, segundo o pesquisador, para manter o trem em levitação só é necessário reabastecer uma vez por dia o criostato com nitrogênio líquido, um produto acessível.
Outra diferença: o sistema EML utiliza pesados eletroímãs instalados nos veículos, enquanto os criostatos carregados de supercondutores do sistema SML são leves. A terceira distinção significativa entre as duas tecnologias se dá no chamado aparelho de mudança de via. Nos maglev EML, para um veículo trocar de via, esta precisa ser deslocada para conduzir o maglev para a nova direção, exatamente como ocorre com o monotrilho de São Paulo. No maglev SML, em um entroncamento, basta substituir os ímãs da via por eletroímãs e energizar na direção que se deseja seguir, cortando a eletrificação de um ramal e mantendo no outro. “São essas três características que geram leveza, praticidade e confiabilidade aos sistemas SML”, explica Stephan. Uma versão deste texto foi publicada na edição impressa .Artigos científicos
MATTOS, L. S. et al. . IEEE Transactions on Applied Superconductivity. v. 26, n.3. abr. 2016.
STEPHAN, R. M. e PEREIRA JR., A. O. . Electronics. 11 jun. 2020.
STEPHAN, R. M et al. . Modern Transportation Systems and Technologies. v. 9, n. 1. nov. 2023.