Por erro de tradução, comer múmias foi “remédio” por 500 anos na Europa
O fato de não existirem muitas múmias hoje em dia tem motivo: além dos saques de ladrões em tumbas, a população da Europa passou pelo menos 500 anos com o costume de comer corpos embalsamados.
A bizarrice tem explicação. A partir do século 11, múmias se transformaram em remédios para doenças cotidianas, como febre, dor de cabeça, de estômago e até câncer. Mas, segundo o historiador Karl Dannenfelt, tudo começou por causa de uma série de erros de tradução.
Em artigo na , Dannenfelt relata que tudo começou por causa de uma substância com qualidades curativas encontrada na encosta de uma montanha árabe chamada “mum”. Em persa, a palavra significa “cera”.
A substância, que ficava no asfalto de uma rocha negra, serviu por séculos para curar doenças, o que lhe rendeu a reputação nas comunidades árabes de preciosa e eficaz.
É aí que começa o problema: nos séculos 11 e 12, europeus que começaram a traduzir textos do mundo islâmico se depararam com “mum”. Eles, então, entenderam que o remédio vinha de uma substância liberada pelas múmias egípcias.
Parte da confusão vem do fato de que algumas múmias antigas eram embalsamadas com asfalto. Por isso, a conclusão “lógica” foi que os árabes se curavam com corpos mumificados – e não com a substância extraída das rochas da montanha persa.
Como era o tratamento
As múmias, então, começaram a ser usadas para curar todos os tipos de dores e até ataques cardíacos. Com a demanda, não demorou até que comerciantes começassem a recrutar saqueadores para invadir tumbas egípcias e roubar os corpos para vendê-los como medicamento.
Mas isso também fez com que começasse um comércio de múmias falsas. Ou seja, ladrões passaram a mumificavam cadáveres que tinham acabado de morrer em uma tentativa de lucrar ainda mais.
Segundo Dannenfelt, criminosos roubavam corpos de pessoas enforcadas à noite e embalsamavam com sal e outras substâncias. Depois, “secavam” em um forno e moíam em pó para que, mais tarde, usá-los como remédios caseiros.
Mesmo com múmias falsas, o pensamento da época era que o corpo humano continha propriedades que poderia curar outros seres humanos – uma crença falaciosa hoje conhecida como “canibalismo médico”.
Foi até o século 19
É daí que vem a ideia de que “sangue de gladiadores cura a epilepsia” e do uso de gordura humana em remédios caseiros, uma prática bastante comum na Europa Ocidental medieval. Com as múmias, os médicos acreditavam que ali estava uma nova fonte de cura a partir do corpo humano.
Com o passar do tempo, a exportação de antiguidades do Egito foi proibida e a ciência avançou. Mesmo assim, europeus continuavam a procurar múmias para satisfazer a curiosidade e usar componentes em remédios.
Na Inglaterra da era vitoriana, por exemplo, um dos “passatempos” mais populares da aristocracia era “desembrulhar” múmias. Por isso, o costume de usar – e comer – múmias como medicamentos só parou em definitivo no final do século 19, diz Dannenfelt.