Piscina de bolinhas para cobras? Entenda a importância do enriquecimento ambiental para a saúde dos animais
Reportagem: Aline Tavares/Instituto Butantan
A cascavel passeia pela piscina de bolinhas, enquanto a sucuri curte uma chuva de mangueira e a jiboia descansa no tapete colorido. Apesar de parecerem inusitadas para o público, essas cenas são muito comuns dentro do Museu Biológico do Parque da Ciência Butantan. Trata-se de uma técnica chamada enriquecimento ambiental, que tem como objetivo oferecer estímulos imprevisíveis a animais que vivem sob cuidados humanos e simular situações que eles encontrariam na própria natureza, contribuindo para sua saúde e desenvolvimento.
Os estímulos podem ser sensoriais, sociais, cognitivos, estruturais ou alimentares, e uma mesma atividade pode oferecer mais de um tipo de estímulo. No Butantan, o biólogo e tecnologista em manejo animal Lucas Simões Lima, especialista em bem-estar animal, utiliza os mais diversos materiais reciclados – e muita criatividade – para construir os enriquecimentos. Bolinhas, vassouras, folhas de manjericão, garrafas pet, argolas, caixas de papelão e tapetes são alguns exemplos – tudo devidamente higienizado e seguro.
“O enriquecimento ambiental incentiva comportamentos naturais e ajuda a prevenir comportamentos indesejados, como movimentos repetitivos e estereotipados que acontecem devido à monotonia do recinto”, explica. “As atividades também podem representar novos desafios e obstáculos a serem superados, semelhante ao que ocorre na natureza. É uma técnica muito importante para a manutenção do bem-estar e da saúde cognitiva dos animais.”Um recurso comum, especialmente para as cobras, é a inclusão de estruturas verticais para o animal escalar. Assim como nós, as serpentes também se beneficiam do exercício físico. “Na academia, nós estimulamos vários músculos do nosso corpo, algo que os animais em cativeiro não conseguem fazer. Como os humanos, animais sedentários acumulam gordura. Mas recebendo o enriquecimento, a serpente trabalha músculos diferentes e favorece sua saúde”, aponta o biólogo.
Além de criatividade, trabalhar com enriquecimento ambiental exige paciência: a interação entre o animal e o enriquecimento deve ocorrer sempre de forma voluntária. Segundo Lucas, no caso de um lagarto, por exemplo, a resposta costuma ser rápida, mas as cobras podem levar de horas até dias para interagir com os novos objetos.
Sucuri: um caso de sucesso
O enriquecimento ambiental também pode servir como um método de dessensibilização. A ideia é usar associações positivas para algo que não é agradável para o bicho, com o objetivo de facilitar o cuidado e evitar o estresse do animal. Foi assim com a sucuri do Museu Biológico, uma cobra com nada menos que 4 metros e 77 kg, residente do Butantan há mais de 20 anos.
“Ela era muito agressiva e não gostava de contato humano. Na hora dos exames veterinários, era preciso cinco pessoas para contê-la e segurar a cabeça, o que representava um risco para os tratadores e para o próprio animal”, conta Lucas. Para fazer a cobra aceitar sua presença e seu toque, o biólogo se aproveitou de um recurso que ela adorava: a água. Ela se aproximava voluntariamente quando ele ligava a mangueira no modo “chuveiro”. Com isso, aos poucos, Lucas conseguiu tocá-la mesmo sem o uso da água. Acostumar o animal com os cuidados veterinários foi um processo que durou meses. Para simular o ultrassom, por exemplo, Lucas usava uma embalagem vazia de desodorante roll-on. A simulação foi feita diversas vezes, junto com a veterinária, até que o exame real começou a ser aceito pela serpente.Evidências científicas
As atividades são planejadas semanalmente pela equipe do museu com base em dados da literatura científica e troca de conhecimento com profissionais de outras instituições. Algumas espécies podem receber o enriquecimento duas vezes por semana e, outras, a cada 15 dias. Para validar o trabalho, os biólogos filmam e analisam detalhadamente o comportamento do animal antes, durante e depois do enriquecimento. Se houver uma mudança positiva – por exemplo, uma cobra que estava parada na mesma posição há dias (comportamento indesejado) e começou a explorar o novo objeto –, significa que o enriquecimento funcionou.Diferentes estudos já demonstraram os benefícios do enriquecimento ambiental. Em uma conduzida em 2021 pela Universidade de Lincoln, do Reino Unido, as serpentes mostraram uma clara preferência por um recinto enriquecido em comparação com um recinto padrão. Os pesquisadores recomendaram recursos que permitam a utilização do espaço vertical (escalada); possibilidade de escolha de abrigos (elevados e a nível do solo, úmidos e secos); e uma tigela de água para permitir a submersão.
Outro da Universidade Estadual do Colorado, dos Estados Unidos, publicado em 2022, sugeriu que o enriquecimento aumentou o bem-estar de 18 cobras de diversas espécies, que apresentaram redução de comportamentos indesejáveis.