Pesquisadores descobrem neurônios que deflagram a busca frenética por alimentos, mesmo sem fome
Texto: Monica Tarantino | Agência FAPESP
Pela primeira vez, pesquisadores identificaram um conjunto de células nervosas, situadas nas profundezas do cérebro, diretamente relacionadas com a manifestação do comportamento de busca compulsiva por comida. A descoberta, na revista Nature Communications, foi feita por um grupo da Universidade da California em Los Angeles (UCLA), nos Estados Unidos, e da Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Bernardo do Campo (SP).
A descoberta foi acidental. “Estávamos investigando os neurônios da substância cinzenta periaquedutal com interesse em ansiedade e não em alimentação”, revela o autor principal do trabalho, o neurocientista brasileiro , da UCLA. A hipótese inicial dos pesquisadores era de que a ativação das células VGAT deveria inibir reações de medo e pânico. “Quando as ativamos em camundongos, vimos que isso não só não acontecia como houve uma busca desenfreada por alimentos”, conta Reis, que decidiu aprofundar o estudo com a realização de mais testes. A investigação teve apoio da FAPESP por meio de três projetos (, e ).
Estímulos luminosos
A optogenética torna os neurônios sensíveis à luz para que assim possam ser estimulados ou inibidos. Para isso, os pesquisadores injetam nos neurônios-alvo um vírus geneticamente modificado, que carrega uma proteína sensível à luz obtida de uma alga unicelular. “A partir da infecção pelo vírus modificado, a população de neurônios selecionada recebe essa proteína fotossensível e também instruções para começar a fabricá-la”, explica o pesquisador , da UFABC, um dos cinco brasileiros que fazem parte do time de pesquisadores que descobriu a relação entre esse subgrupo de células VGAT e a comida.
Os camundongos receberam também um implante de fibra óptica para conduzir uma luz azul às células devidamente infectadas. “Captado pelas proteínas fotossensíveis, o estímulo luminoso se converte em atividade elétrica. Desse modo, conseguimos que as células fiquem mais ou menos ativas de acordo com o comprimento de onda da luz emitida”, descreve , que foi bolsista de doutorado na UFABC e é coautora do trabalho.
Sob a luz azul, os camundongos mudaram brutalmente de comportamento. “Nós vimos animais bem alimentados e saciados dispararem atrás de um inseto para devorá-lo”, conta Adikhari. O mapeamento das áreas atingidas pelo aumento da liberação do neurotransmissor GABA revelou impacto em regiões profundas do cérebro, como a chamada zona incerta. “Vimos um aumento da atividade neural nessa área quando o animal está se aproximando do alimento”, explica o pesquisador. A pergunta mais importante é se as células VGAT periaquedutais em humanos também induzem o consumo de alimentos. Experimentos anteriores indicam que a função da área periaquedutal é similar em humanos e ratos. Em ambas as espécies, injetar corrente elétrica nessa área causa sintomas agudos de medo, pânico e analgesia. “Nossos achados não podem ser diretamente testados em humanos no momento, mas, eventualmente, estudos futuros poderão mostrar se a ativação dessas células periaquedutais VGAT em macacos induz a busca por comida, o que sugeriria que algo similar acontece em humanos”, pontua Adhikari. Novos estudos iniciados pelo grupo investigam a predileção dos animais cujos neurônios foram estimulados por alimentos ricos em proteínas e açúcares, entre outros aspectos. “Os camundongos não quiseram legumes. Eles preferiram salsicha, açúcar, queijo e chocolate”, conta Adhikari. Para os pesquisadores, a descoberta de que a estimulação ou inibição dessa área específica do cérebro provoca comportamentos semelhantes aos que são vistos na anorexia ou compulsão alimentar pode levar à exploração de novas abordagens para o controle dos transtornos alimentares.O artigo Control of feeding by a bottom-up midbrain-subthalamic pathway pode ser acessado em: .