O que fazer com os rejeitos gerados pela exploração mineral
Texto: Suzel Tunes/Yuri Vasconcelos/Revista Pesquisa Fapesp
Dois monumentais vazamentos de resíduos de mineração no estado de Minas Gerais – um de 34 milhões de metros cúbicos (m³) de uma barragem da Samarco em Mariana, em 2015, e outro de 12 milhões de m3 da Vale em Brumadinho, em 2019 – obrigaram mineradoras e motivaram startups e universidades a acelerar a procura por novos usos e destinações dos rejeitos da extração, principalmente de minério de ferro. Anos depois, resultados, ainda tímidos, começam a aparecer na forma de telhas, tijolos, pavimentos, madeira plástica e fertilizantes para agricultura produzidos à base de rejeitos minerais.
Para o engenheiro de produção Bruno Milanez, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), uma possibilidade é usar esse material para cobrir as cavidades formadas pela mineração, o chamado backfilling. “Trata-se de um método mais sofisticado e de custo mais alto que as barragens de contenção de rejeitos, mas traz maior segurança e aumenta a possibilidade de recuperação da área explorada”, comenta.
A técnica foi adotada a partir do final dos anos 1990 na exploração de prata, chumbo, ferro, carvão, ouro, zinco e cobre em países como Austrália, China, Estados Unidos e Canadá. Sua grande vantagem é prover mais estabilidade a minas subterrâneas. A desvantagem é que, se não for bem-feita, pode contaminar reservatórios de água no subsolo. E precisa ser bem planejada para não atrasar a mineração.40% da produção
O Brasil é o segundo maior fornecedor mundial de minério de ferro, com uma produção bruta anual de quase 600 milhões de toneladas (t), dos quais 430 milhões de t foram beneficiados, segundo o Anuário Mineral Brasileiro, de 2022. Beneficiamento é a etapa de remoção de impurezas e de concentração do teor de ferro no minério.
Do peso total de minério beneficiado, os rejeitos – essencialmente areia, óxidos e hidróxidos de ferro não retidos nessa etapa – podem representar uma proporção variável de até 40%, de acordo com a qualidade da matéria-prima e a eficiência do processo de beneficiamento. O Brasil gera por ano entre 86 milhões e 172 milhões de t de rejeitos da produção de ferro.Nova tecnologias no mercado
Apesar das possibilidades de aproveitamento, no Brasil, bem como em outros países, uma parcela ínfima dos rejeitos de mineração está se transformando efetivamente em produto. “A partir das pesquisas feitas nos últimos anos, temos tentado levar novas tecnologias [que utilizam rejeitos de mineração] ao mercado”, conta o químico Rochel Montero Lago, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para a Valoração de Resíduos e Materiais Renováveis (Midas), criado em 2017. No ano seguinte, a fim de conectar o conhecimento acadêmico às empresas, a UFMG e o Centro de Inovação e Tecnologia do Serviço Nacional da Indústria (Senai) de Belo Horizonte criaram, com apoio financeiro do INCT Midas, o Centro de Escalonamento de Tecnologias e Modelagem de Negócios (Escalab), também sob coordenação de Lago. Uma das iniciativas nessa área é conduzida pela empresa mineira Geeco Materiais e Engenharia, criada em 2019. “Tivemos apoio da universidade e de vários professores durante o processo de desenvolvimento”, conta a química Caroline Prates, atual diretora de Tecnologia do empreendimento.O projeto da Geeco – a produção e instalação experimental de blocos e revestimentos com rejeitos – foi um dos destaques do e-book Práticas em circularidade no setor mineral, uma coletânea de projetos apoiados pelas mineradoras publicada pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), em 2022. Nesse mesmo ano, a startup foi selecionada para participar do Mining Hub, programa de inovação aberta criado pelo Ibram e pelas mineradoras em 2019, que reúne grandes empresas do setor, companhias fornecedoras e startups.
Sediada em Pedro Leopoldo (MG), a Geeco faz projetos com mineradoras e construtoras para reaproveitamento de resíduos, transformados em materiais chamados geopolímeros. Uma de suas aplicações é substituir em até 100% o cimento comum portland, com redução da emissão de gás carbônico em comparação com o cimento tradicional.Na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), a equipe liderada pelo engenheiro-agrônomo Tiago Osório Ferreira pesquisa potenciais usos dos rejeitos de mineração na agricultura. Um de seus projetos avalia a utilização de resíduos de mineração de ferro como matéria-prima para elaboração de condicionadores de solos, também chamados de soil amendments. Diferentemente dos corretivos, os condicionadores não visam apenas o fornecimento de nutrientes, mas melhoram a capacidade do solo de reter água, matéria orgânica e nutrientes, facilitando o crescimento das plantas.
Quando contaminados, os rejeitos de mineração podem ser um risco para o ambiente. Em busca de formas para remediar a contaminação do rio Doce decorrente da liberação de rejeitos após o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, uma integrante do grupo da Esalq, a engenheira-agrônoma Amanda Duim Ferreira, em sua pesquisa de doutorado, concluída em 2024, verificou que a planta taboa (Typha domingensis) colonizou parte da região e tem potencial para descontaminação do solo, como detalhado em artigos publicados na Journal of Hazardous Materials em abril de 2022 e na Journal of Cleaner Production, em setembro de 2022. Com base nos resultados, o grupo da Esalq cultivou a taboa sobre rejeitos de mineração e verificou um aumento na remoção de ferro.
Apesar das possibilidades de aproveitamento, uma parcela ínfima de rejeitos está se transformando em produto
Graduado em direito, Ottavio Carmignano, sócio da mineradora Pedras Congonhas, de Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, encontrou 95 patentes relacionadas ao aproveitamento de rejeitos de minério de ferro, depositadas no Brasil e em países com tradição em mineração, como detalhado em um artigo de outubro de 2021 na revista científica Journal of the Brazilian Chemical Society. “A maioria dos projetos está em fase preliminar, em escala de laboratório”, observa. Um dos gargalos, lembra Carmignano, é o logístico: a distância entre as minas e os mercados consumidores poderia encarecer os produtos feitos à base de rejeitos.
Outro é o preço. “A madeira plástica, feita com rejeitos de barragens, que estudei no meu doutorado sobre inovação tecnológica, pode durar até 100 vezes mais que a madeira comum. No entanto, como é 10 vezes mais cara, por causa do processo de produção, o mercado não aceita, pois está sempre procurando o menor preço.” Milanez, da UFJF, reconhece a importância de iniciativas que buscam transformar rejeitos minerais em produtos. O engenheiro pondera que, como os novos produtos não serão suficientes para absorver a enorme quantidade de resíduos produzidos e já estocados nas barragens, ainda é necessário produzir menos resíduos e tornar mais seguro o material que não será transformado em outros produtos. A reportagem acima foi publicada com o título “O desafio dos rejeitos” na edição impressa nº 339, de maio de 2024.Projetos
1. Rejeitos de mineração de ferro para elaboração de soil amendments e smart-C soils: Agricultura inteligente no combate às mudanças climáticas e à degradação de solos (); Modalidade Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais; Pesquisador responsável Tiago Osório Ferreira (USP); Investimento R$ 472.168,02.
2. Plantas estuarinas e seu controle na biogeoquímica de metais em solos impactados pelo “desastre de Mariana” ); Modalidade Bolsa de Doutorado; Pesquisador responsável Tiago Osório Ferreira (USP); Beneficiária Amanda Duim Ferreira; Investimento R$ 342.424,08.
3. “Desastre de Mariana”: Diagnóstico de contaminação, estratégias de remediação e reaproveitamento de rejeitos de minério de ferro (); Modalidade Auxílio Regular à Pesquisa; Pesquisador responsável Tiago Osório Ferreira (USP); Investimento R$ 256.154,71.
Artigos científicos
CARMIGNANO, O. R. et al. . Journal of the Brazilian Chemical Society. v. 32, n. 10. out. 2021.
FERREIRA, A. D. et al. . Journal of Hazardous Materials. v. 428, 128216. 15 abr. 2022.
FERREIRA, A. D. et al. . Journal of Cleaner Production. v. 365, 132811. 10 set. 2022.
Livros
MEDEIROS, K. A. (coord.). . Brasília: ANM, 2023.
RODRIGUES, C. de P. et al. (orgs.). . Brasília: Ibram, 2022.