Ciência

Nova metodologia irá facilitar identificação de mercúrio em animais e pessoas na Amazônia

Docente da Unesp coordena grupo que busca biomarcadores para assinalar contaminação em organismos. Estudo da Fiocruz mostra que um quinto dos peixes consumidos nas grandes cidades amazônicas apresenta níveis do metal superiores aos limites estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde.
Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real

Texto: Jornal da Unesp | Radar dos Campi

Na maior floresta tropical do mundo, os efeitos da intervenção humana no ambiente são cada vez mais intensos e abrangentes, alcançando, inclusive, a escala microscópica. Um exemplo é a intoxicação por mercúrio, que hoje afeta tanto a fauna local quanto as populações que habitam a região.

Uma vez que esteja disponível no ambiente, o mercúrio pode ser incorporado à alimentação dos animais e se agregar à cadeia alimentar, intoxicando as pessoas que consomem peixes que ingeriram mercúrio. Estudo desenvolvido pela Fiocruz junto a instituições amazonenses revelou que os peixes dos principais centros urbanos da Amazônia estão contaminados por mercúrio. A pesquisa, divulgada em maio deste ano, aponta que quase um quinto (21,3%) dos peixes utilizados para alimentação e comercialização apresentaram níveis acima do limite estabelecido pela Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO/WHO) e pela Agência de Vigilância Sanitária brasileira (Anvisa), referente à uma quantidade de 0,5 µg/g (microgramas de mercúrio por grama de peixe).

A presença do mercúrio cada vez mais evidenciada na região está relacionada às atividades de garimpo e, possivelmente, à construção de usinas hidrelétricas, como a de Jirau, localizada no rio Madeira, responsáveis por movimentar o sedimento dos rios onde há mercúrio decantado. É justamente nessa área que têm se concentrado os estudos de um grupo de pesquisadores, coordenados por , docente do Instituto de Biociências da Unesp, campus de Botucatu, ao longo dos últimos dez anos.

Por meio de uma técnica inovadora que integra métodos bioquímicos e químicos, Padilha tem buscado maneiras de encontrar potenciais proteínas que sirvam como biomarcadores de mercúrio. Como o nome sugere, os biomarcadores são certos elementos presentes em sistemas biológicos que fornecem informações mensuráveis sobre saúde, doenças ou exposição a fatores ambientais. Por meio de sua identificação, é possível não apenas apontar a presença do mercúrio no organismo como também identificar e localizar as proteínas nas quais o mercúrio está presente.

Segundo Padilha, a motivação para a pesquisa veio da constatação da facilidade com que o mercúrio é absorvido pela vida aquática, e o risco que isso implica para os habitantes da Amazônia. “O consumo de peixes representa a principal fonte de contaminação por mercúrio para as populações tradicionais, que têm o pescado como a principal fonte de alimentação proteica”, destaca o pesquisador. Padilha diz que o uso dos biomarcadores permitirá identificar com antecipação a existência de risco de exposição humana ao mercúrio num determinado contexto. “Esse conhecimento possibilitaria a adoção de ações preventivas, prevenindo o adoecimento e gastos significativos com saúde”, diz.

Metaloproteômica: química e bioquímica

Embora seja docente do Departamento de Ciências Químicas e Biológicas da Unesp desde 1994, Padilha trabalhou por muitos anos de maneira mais próxima com os estudantes do Programa de Pós-Graduação em Química, em Araraquara, onde explorava sua expertise em química analítica. “Por volta de 2004 uma nova técnica foi introduzida no Brasil, a metaloproteômica. Ela surgiu por volta dos anos 2000, no Japão e, rapidamente, começou a ser utilizada pela comunidade científica. Vislumbrei ali uma oportunidade para começar a desenvolver projetos com os estudantes do campus de Botucatu”, lembra o químico, que desde 2009 conduz estudos nessa linha. O nome da técnica combina dois radicais. O termo “metalo” se refere aos metais, e “proteômica” identifica os conjuntos de proteínas, que são conhecidos como proteomas. Assim, a técnica permite estudar espécies metálicas, como ferro, cobre ou mercúrio, que têm a capacidade de se ligar com macromoléculas, como proteínas ou enzimas.

A associação entre elementos metálicos e proteínas é algo que ocorre rotineiramente nos mais diversos organismos. Em determinados casos, as proteínas passam a desempenhar papéis fundamentais para a vida. É o caso, por exemplo, da hemoglobina, uma proteína presente nos glóbulos vermelhos do sangue que, por meio da sua ligação com o ferro, realiza o transporte de oxigênio no sistema circulatório. Porém, no caso de outras proteínas que também apresentam o potencial de ligação com metais, os efeitos podem ser menos benéficos ou mesmo tóxicos. É o caso dos metais cádmio, chumbo e mercúrio. Popularmente conhecidos como “metais pesados”, essas espécies não desempenham nenhuma função benéfica para os organismos e são altamente tóxicas. Identificar os sítios, isto é, as partes das proteínas onde pode ocorrer a conexão com as espécies metálicas, e identificar os efeitos suscitados pela ocorrência dessas ligações, é um dos objetivos dos estudos da metaloproteômica.

O mercúrio nos peixes

Inicialmente, Padilha utilizava a metaloproteômica em estudos sobre nutrição de peixes que conduziu no estado de São Paulo. Porém, com o convite do colega Luiz Fabricio Zara, da Universidade de Brasília, em 2011 o químico passou a aplicar seu conhecimento técnico na busca por proteínas que poderiam atuar como possíveis biomarcadores de mercúrio nos peixes do rio Madeira, com  da Fapesp e da Empresa Energia sustentável do Brasil – ESBR, responsável pela hidrelétrica de Jirau. “O Madeira tem um histórico bastante conhecido de contaminação por mercúrio derivado das atividades de garimpo. Esse foi um dos motivadores para selecionarmos esta região para a pesquisa”, conta Padilha.

* Leia a reportagem completa em: .

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