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Highlights
- Pesquisa avaliou dados como a plumagem, o canto e a genética de 1079 indivíduos e concluiu que as chocas-do-nordeste são, na verdade, duas espécies
- Resultados sugerem que mudanças climáticas históricas e variações no curso do rio São Francisco tiveram papel importante na separação dessas espécies irmãs
- As descobertas podem contribuir para a criação de estratégias mais eficazes de preservação para esses animais e favorecer os cuidados com o bioma Caatinga
Dados genéticos de um grupo de aves da Caatinga conhecidas como choca-do-nordeste indicam que alterações no curso do rio São Francisco e oscilações climáticas ocorridas ao longo de um milhão de anos causaram a divisão do grupo em duas espécies distintas. Uma delas foi descrita pela primeira vez nesta terça (18) na revista científica “Zoologica Scripta”. O artigo é fruto de parceria entre o , o Museu Paraense Emílio Goeldi e as universidades federais do Pará (UFPA) e do Rio Grande do Norte (UFRN).
Os indivíduos da nova espécie, nomeada Sakesphoroides niedeguidonae, até então, eram considerados parte da espécie Sakesphoroides cristatus. Porém, o estudo descobriu diferenças genéticas, de plumagem e de canto entre os grupos.
Os pesquisadores analisaram características da plumagem, das formas e as medidas corporais de 1079 aves, incluindo 92 exemplares preservados em museus e 987 fotografias digitais. Além disso, estudaram 115 gravações sonoras atribuídas às chocas-do-nordeste, 58 amostras de material genético e 568 registros de ocorrência que indicavam a distribuição geográfica dessas aves. Com as informações em mãos, estimaram ainda a história genética do grupo e as relações de parentesco entre as linhagens. Também foi possível inferir o tamanho populacional e os nichos climáticos – ou seja, a distribuição de indivíduos de acordo com condições climáticas – ocupados pela espécie ao longo de sua história.
A equipe identificou dois padrões distintos no canto das aves, que coincidiam com diferenças na plumagem das fêmeas. Ao mesmo tempo, os revelaram a presença de dois grupos diferentes nas amostras, com uma diferença no material genético de 1,8%. Alexandre Aleixo, pesquisador do ITV autor do artigo, explica que, se todos os indivíduos pertencessem à mesma espécie, como se acreditava antes do estudo, esse número seria próximo de zero. “Comparamos as informações com outras espécies da mesma família e vimos que esse valor é até maior do que o encontrado entre outras espécies já reconhecidamente há séculos como diferentes”, completa Pablo Cerqueira, atualmente pesquisador-bolsista do ITV e primeiro autor do artigo.
Os achados chamam atenção para a diversidade da Caatinga. “Estamos vendo que a Caatinga tem espécies ainda não descritas de todos os grupos e, quanto mais frequente for a incorporação de dados moleculares nos estudos, maior é a chance de encontrar novas espécies”, comenta Aleixo. Cerqueira destaca que esse foi o primeiro estudo a mostrar um novo padrão evolutivo para as aves da região, sinalizando que ainda há muito a ser descoberto.
O estudo pode contribuir para a criação de estratégias de proteção para essas espécies e para o ecossistema como um todo, além de abrir espaço para outras pesquisas. “Os futuros estudos ecológicos e populacionais podem ser mais focados em cada uma das espécies, avaliando se os tamanhos populacionais estão sofrendo influência do desmatamento e se variam com o aumento de temperatura”, exemplifica Cerqueira.
A partir da hipótese de diversificação da Caatinga mediada pelo rio São Francisco e das oscilações climáticas históricas, o grupo planeja continuar testando esses padrões em outras espécies com distribuição similar. “Queremos também trabalhar com genomas completos em torno dessa nova espécie e entender melhor como é a relação com a espécie irmã quando elas se encontram”, conclui Aleixo.