Cultura

“My Mistake”: a música sobre feminicídio que virou hit no Brasil nos anos 70

Apesar de seu tema sombrio, narrando uma história de feminicídio, a canção encontrou seu lugar nos bailes românticos da década de 1970 e o compacto vendeu mais de 400 mil cópias.
Imagem: Pablo Nogueira/Giz Brasil
A barreira linguística pode gerar problemas na música. Mas também geram sucessos, como esta canção chamada “My Mistake”, que, apesar de sua letra narrar um feminicídio, esteve longe de ser um erro.

Durante a efervescência cultural dos anos 70, o cenário musical brasileiro vivenciou um momento peculiar, conhecido como a era “Os Falsos Gringos”.

Essa época foi marcada por uma tentativa dos artistas brasileiros de reproduzir o sucesso internacional, usando nomes “gringos” como Terry Winter e Dave McLean. Fábio Jr., antes da fama, cantava com o nome de Mark Davis, por exemplo. Um dos exemplos mais notáveis dessa época é a banda Pholhas com seu hit “My Mistake”. Apesar de seu tema sombrio, narrando uma história de feminicídio, a canção encontrou seu lugar nos bailes românticos da década de 1970 e o compacto vendeu mais de 400 mil cópias. Embora “My Mistake” seja um testemunho do poder da música sobre a mensagem, nem mesmo os autores da canção sabiam qual era a mensagem.

“Fui parar na prisão após matar minha esposa”

Lançada em 1972, “My Mistake” narra a história do assassinato de uma mulher, coincidentemente em uma época que o Brasil ainda aceitava a tese de Legítima Defesa da Honra para crimes desse tipo. Aliás, o Brasil só tornou essa tese inconstitucional em agosto deste ano, embora o movimento contra essa justificativa legal tenha ganhado força após o assassinato de Ângela Diniz.

No entanto, os autores da canção não estavam fazendo apologia ao feminicídio. No documentário “A História Secreta do Pop Brasileiro”, de 2019, o jornalista André Barcinski desvenda o fenômeno dos “Falsos Gringos”, destacando como o processo criativo muitas vezes se desdobrava. Confira o trailer da série:

A criação de “My Mistake”, por exemplo, reflete a experimentação e a criatividade dos compositores da época. A busca por palavras em inglês, muitas vezes aleatórias, moldava as letras que, apesar de sua simplicidade, ressoavam com o público.

Processo de composição foi tão incomum quanto a música

O pai de um dos membros da banda tinha o livro “O Inglês Tal Qual Se Fala no Presente”. Segundo os membros originais, o livro “foi a salvação” para poder gravar em inglês. Os músicos usavam o livro, escolhiam uma frase aleatória (que fornecia a pronúncia) e uniam a uma melodia já composta. “Pegávamos esse dicionário, sem olhar a página, corria o dedo e passava numa frase. Por exemplo, ‘o que faz essa ratoeira em frente a minha porta'”, lembra Oswaldo, baixista da banda.
Livro O Inglês Tal qual se Fala no PresenteTrecho do livro lembrado pelo baixista do Pholhas. Imagem: Internet Archive/Reprodução
O refrão de “My Mistake” é bastante explícito sobre o feminicídio. Contudo, também é possível perceber o quão antiquado e erudito era o inglês do livro que a banda usou como referência, cuja primeira edição saiu em 1937.
O trecho da letra que destaca o feminicídio em "My Mistake".O trecho da letra que destaca o feminicídio em “My Mistake”. Imagem: Amazon Prime Video/Reprodução
O trecho em tradução literal: “Eu fui enviado a prisão / Por ter assassinado minha esposa / Porque ela estava morando com ele / Eu perdi a cabeça e atirei nela” segue exatamente a forma de conjugação verbal que o livro ensina. Em vez de “for murdering”, os autores usam “for having murdered”, que embora seja correto, não é comum na linguagem cotidiana. Mas é preciso lembrar que o “presente” do “O Inglês Tal Qual Se Fala no Presente” era até 1951, quando saiu a última edição do livro.  Portanto, muito antes do Rock ser popular. Outras canções da banda usam o mesmo inglês “arcaico” e obtiveram quase o mesmo sucesso. Mas “My Mistake” continua sendo o maior clássico da banda brasileira.  A música possui 12 milhões de visualizações no YouTube e

“Falsos Gringos”

A canção “My Mistake”, mesmo narrando um feminicídio, se tornou um sucesso grandioso no Brasil, evidenciando, certamente, o gosto musical da época, que não vivia só de Gil e Caetano.

Contudo, o caso de “My Mistake” é ainda mais peculiar, pois, em 1972, falar inglês era um privilégio no Brasil e banda nem sabia que estava escrevendo sobre um feminicídio. A era dos “Falsos Gringos” pode ter sido ofuscada pelo tempo, mas canções como “My Mistake” servem como uma janela intrigante para um período de experimentação e expressão criativa no cenário musical brasileiro. Alguns dos “Falsos Gringos” continuaram a fazer sucesso, como Fábio Jr., que à época era Mark Davis. Dave McLean é um exemplo de “Falso Gringo” que conseguiu fazer sucesso até fora do Brasil, sendo ovacionado em sua passagem pelo México.

Sobre o Pholhas, a banda ainda continua em atividade, com mais de 50 anos de estrada. Para conhecer mais sobre a história dos “Falsos Gringos” e de outros fenômenos ocultos da música brasileira, confira a série documental “A História Secreta do Pop Brasileiro”, disponível no serviço de streaming .

Pablo Nogueira

Pablo Nogueira

Jornalista e mineiro. Já escreveu sobre tecnologia, games e ciência no site Hardware.com.br e outros sites especializados, mas gosta mesmo de falar sobre os Beatles.

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