Ciência
Muito além dos neurônios: ‘Esquecer’ é tão importante quanto ‘lembrar’ para a longevidade da memória
Os problemas de memória também estão ligados à capacidade do cérebro de ‘construir’ novas lembranças e ‘reconstruir’ as antigas. Esse processo, sempre dinâmico, também tem o esquecimento como importante ingrediente.
Imagem: Unsplash/Reprodução
Texto: Edvaldo Soares/
Uma das queixas mais frequentes e comuns entre idosos do mundo todo se refere à perda de memória. A queixa pode variar, conforme diferentes estudos, entre 8% e 50% dos pesquisados. E normalmente, para além dos efeitos da , o problema está associado a e , e .Mas o que é memória?
Memória, para o senso comum, é a capacidade do cérebro de ‘armazenar’ informações e, quando pertinente ou necessário, ‘resgatá-las’. Nessa perspectiva, o saudoso professor (1937–2021), um dos maiores estudiosos do Brasil sobre a memória, define o termo como a “”.
O esquecimento – em linguagem técnica, amnésia – é a falha no processo de evocação dessas informações, ou seja, das recordações. A amnésia pode ser permanente e progressiva, como ocorre nas síndromes demenciais; ou transitória, como as decorrentes de estresse, uso de substâncias ou mesmo lesões, como na maioria dos acidentes vasculares cerebrais.
Portanto, as queixas subjetivas de idosos em relação aos déficits de memória não decorrem, em sua maioria, de eventos patológicos, mas de estados transitórios, que devem ser abordados clinicamente de forma adequada.
Identidade e memória
Especialmente para os idosos, a perda ou a percepção de falhas de memória é um evento altamente dramático, que também atinge os familiares, amigos e cuidadores. Afinal, além de afetar a execução de diversas atividades cotidianas (e, consequentemente, a qualidade de vida), afeta também a identidade do indivíduo.
Na obra , de 2008, o neurocientista , que têm se dedicado ao estudo da memória, reforça a ideia da dramaticidade dos déficits de memória: a perda da memória conduz à perda do sentimento de si, da história de vida e de interações duradouras com outros seres humanos.
Porém, para compreendermos com maior rigor as ‘falhas de memória’, três considerações são importantes:
- estados emocionais são os principais moduladores para a formação de memória;
- memória é um termo genérico – o que existem são diferentes sistemas de memória;
- a consolidação dos diferentes tipos de memória requer alterações na estrutura e na função do cérebro.
Memória e emoção
Temos a tendência de memorizar os fatos de nossa vida, positivos ou negativos, que apresentam alta carga emocional. Isso envolve estruturas cerebrais, como a , e redes neurais, como o sistema dopaminérgico, mais conhecido como .
Considerando nossas memórias autobiográficas, a notícia ruim é que não temos autonomia para decidir o que vai ser memorizado. Fatores como , e mesmo o afetam o processamento de memória em todas as suas fases, sejam elas a de aquisição, a de consolidação e a de recuperação da lembrança. Esses transtornos são comuns em populações idosas em todo o mundo, inclusive .
Sistemas de memória
O que vivenciamos no dia a dia pode – ou não – ser memorizado. E isso é natural. Por exemplo: é quase certo que você não lembra do que comeu no almoço do dia 05 de junho de 2023. E isso é bom, pois – a não ser que você seja um gourmet obcecado por tudo o que come – informações ou vivências irrelevantes são mantidas apenas por curto período de tempo no nosso cérebro. É o que se denomina de memória de curta duração. Outras informações ou vivências perduram por dias, meses e até por toda a vida. São as chamadas memórias de longa duração. Logo, temos sistemas de curta e de longa duração. E essas informações consolidadas no sistema de longa duração têm conteúdos específicos. Em relação a esses conteúdos, a memórias podem ser classificadas em ‘tipos’ ou categorias diferentes:- Memórias não-declarativas, como as de procedimento (andar de bicicleta ou nadar, por exemplo), que são, após consolidadas, realizadas de forma automática;
- Memórias declarativas, que podem ser autobiográficas (por exemplo, a morte de um ente querido) ou semânticas (como o conhecimento que você tem de biologia).