Meteoro que extinguiu os dinossauros levou à invenção da ‘agricultura das formigas’
Texto: André Julião |
O evento que extinguiu os dinossauros não foi ruim para todos. O ambiente com pouca luz ocasionado pelo impacto do meteoro há cerca de 66 milhões de anos favoreceu a expansão de fungos que se alimentam de matéria orgânica, então abundante, visto que plantas e animais morriam aos montes.Foi a oportunidade perfeita para o ancestral de um grupo de formigas passar a cultivar esses microrganismos, como confirma estudo hoje (03/10) na revista Science.
“A origem das formigas cultivadoras de fungos era relativamente bem resolvida, mas faltava estabelecer uma linha do tempo mais precisa para esses microrganismos. O trabalho traz a datação com menor margem de erro até hoje para o surgimento dessas linhagens fúngicas, que até então eram tidas como mais recentes”, explica , professor do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), em Rio Claro, e um dos autores do artigo.
O pesquisador coordena o projeto “”, apoiado pela FAPESP no âmbito do Programa BIOTA fapesp.br/biota, em colaboração com a National Science Foundation (NSF), dos Estados Unidos.
“Nesse caso, nos interessavam as regiões próximas desses elementos. Elas mostram as diferenças mais recentes entre as espécies e nos permitem traçar uma linha evolutiva bastante acurada”, acrescenta , pesquisador no IB-Unesp pela FAPESP e também coautor do trabalho.
Por meio do método, foi possível estabelecer em 66 milhões de anos o surgimento, quase que simultâneo, do cultivo de duas linhagens distintas de fungos por um mesmo ancestral das formigas-cortadeiras atuais (grupo conhecido como Attini).Mutualismo
Os resultados reforçam a hipótese de que os fungos já tinham passado por uma pré-adaptação antes de começarem a ser cultivados pelas formigas. Provavelmente, apontam os autores, o ancestral do grupo das formigas-cortadeiras vivia próximo a fungos, fosse no interior das colônias ou mesmo coletando-os eventualmente para se alimentar deles ou de seus produtos. “Mas os fungos não eram parte essencial da nutrição das formigas. A pressão exercida pelo impacto do meteoro possivelmente fez com que essa relação se tornasse um mutualismo obrigatório, em que esses fungos passam a depender das formigas para se alimentar e se reproduzir, ao mesmo tempo em que estas dependem exclusivamente dos fungos como fonte de alimento”, contextualiza Rodrigues. Hoje, quatro grupos distintos de formigas cultivam quatro tipos de fungo. Em alguns casos, os insetos até mesmo alteram o crescimento do produto cultivado para que este forneça determinados nutrientes. “Quando os cultivamos em laboratório, os fungos tomam a forma esperada, de hifa. No entanto, dentro da colônia, um desses tipos de hifas fica inchado e forma estruturas parecidas com cachos de uva, ricas em açúcares. Não sabemos ainda como as formigas fazem isso”, conta Kooij.Para , professor do IB-Unesp e coautor do trabalho, a origem do cultivo de fungos provavelmente aponta para uma adaptação diante de uma carência nutricional enfrentada pelas formigas naquele período.
Com a abundância de fungos, que se espalhavam pelo que hoje são as Américas, e menos opções de fontes nutricionais, os que já tinham alguma relação eventual com as formigas acabaram se mostrando mais úteis se cultivados.“Para se alimentar, o fungo decompõe a matéria orgânica levada pela formiga. Por sua vez, esta consome substâncias produzidas pelo fungo que ela não poderia obter de outra fonte. É como se o fungo fosse um estômago externo do inseto”, compara o pesquisador, que é vice-diretor do (), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão () apoiados pela FAPESP.
Posteriormente àquele evento fundador, as formigas cultivadoras de fungo, que até então viviam em florestas úmidas, sofreram uma segunda pressão seletiva com a expansão do Cerrado, 27 milhões de anos atrás. Com mais áreas abertas e secas, houve uma diversificação desses insetos agricultores, levando à origem das formigas-cortadeiras atuais (leia mais em: ).
Esse evento certamente também favoreceu a diversificação dos fungos, que foram se tornando mais eficientes na produção de alimento para as formigas e na degradação da matéria orgânica. Tanto que, hoje, as enzimas produzidas pelos fungos cultivados por formigas são estudadas pelo potencial biotecnológico para degradar não apenas matéria orgânica, mas também outros materiais, entre eles o plástico.O artigo The coevolution of fungus-ant agriculture pode ser lido em: .