Na noite de 23 de novembro de 2014, um poderoso telescópio em Mauna Kea, no Hava (EUA)í, estava tentando detectar os movimentos enigmáticos de um buraco negro viajando pelo espaço. Nas sete horas em que o telescópio examinou o cosmos, ele pode ter encontrado um bem pequeno: uma estrutura eclipsou uma estrela em nosso vizinho galáctico mais próximo, Andrômeda, a cerca de 2,5 milhões de anos-luz de distância. Em meio às 188 imagens tiradas da galáxia naquela noite, o evento do buraco negro foi literalmente um momento de iluminação.
“Quando [um buraco negro está] bem ao longo da linha de visão, a luz se curva ao redor [dele]. Não apenas os raios de luz que apontariam para você, mas também aqueles que teriam passado por você se inclinam na sua direção”, disse Alexander Kusenko, astrofísico da UCLA e do Instituto Kavli de Física e Matemática do Universo, em uma videochamada. “Isso fará com que a estrela pareça mais brilhante por um segundo. É um pouco contraintuitivo.”
Kusenko é o autor principal de um artigo recente que discute o evento, em outubro. A pesquisa sugere que algo entre parte da matéria escura do universo ou até mesmo toda ela pode ser explicada por buracos negros primordiais — versões hipotéticas pequenas e muito antigas desse clássico cósmico, que só foi registrado em imagens diretamente pela primeira vez em 2019.
Todos os buracos negros, independentemente de seu tamanho, são objetos celestes que exercem tanta força gravitacional que nada, nem mesmo a luz, pode escapar deles. Uma ideia é que, no início do universo, quando ele era incrivelmente denso e se expandia, flutuações leves de densidade teriam sido suficientes para gerar buracos negros fora do plasma pré-estelar, especialmente se houvesse interações com partículas pesadas por meio de alguma força desconhecida. Estes seriam os buracos negros primordiais. Só para lembrar, buracos negros comuns e conhecidos são normalmente formados a partir de estrelas em colapso.
“Se você pegar um pouco de plasma primordial, é quase um buraco negro”, disse Kusenko, referindo-se à densidade inicial do universo. “É só espremer um pouco e a luz não escapará.”
Alguns desses buracos negros teóricos teriam um tamanho considerável, de acordo com a teoria da gravidade de Einstein, para serem percebidos como em expansão contínua para um observador dentro do buraco negro — enquanto permaneceriam com um tamanho estático para o observador externo. Essa ideia pode gerar noções de “universos bebês” dentro do nosso, mas é importante lembrar que os buracos negros primordiais são meramente teóricos por enquanto.
E essa é a preocupação imediata da equipe de Kusenko: provar sua existência. Os buracos negros primordiais teriam de ser numerosos para que fossem responsáveis por alguma quantidade de matéria escura do universo — nome dado a alguma coisa misteriosa que parece constituir cerca de 27% do universo — mas pequenos demais para serem detectados.
Kusenko e seus colegas (o artigo de outubro envolveu pesquisadores da UCLA e do Kavli IPMU) estão lançando uma ampla rede para candidatos a buracos negros usando a Hyper Suprime-Cam, um cilindro de lente de quase 1,8 metro de comprimento acoplado ao espelho de quase 9 metros do telescópio Subaru, em Mauna Kea.
A câmera é capaz de capturar imagens de toda a galáxia de Andrômeda a cada poucos minutos. Desde que um candidato a buraco negro primordial foi detectado na observação de sete horas do cosmos em 2014, Kusenko espera que observações futuras sejam capazes de coletar mais eventos do tipo.
Não foi fácil encontrar o possível buraco negro primordial na pesquisa de 2014 em meio a tantos dados. A equipe filtrou um catálogo com mais de 15.000 estrelas candidatas para verificar se havia distorção de luz e, no processo, encontrou cerca de 50 eventos “impostores”, causados por estrelas brilhantes, asteroides, entre outras coisas. Mas depois de um árduo trabalho de seleção de estrelas, os pesquisadores encontraram um candidato que parecia genuíno.
Se mais eventos forem identificados, haverá mais material para a teoria da equipe sobre a existência de muitos buracos negros em miniatura. Eles seriam responsáveis pelo medido em muitas galáxias. É essa gravidade extra que chamou a atenção dos cientistas na década de 1970 e levou a pensar sobre a matéria escura.
Para se ter uma ideia, os menores buracos negros conhecidos estão na média de 5 massas solares (ou seja, cinco vezes a massa do Sol). O recente candidato a buraco negro tinha apenas a massa do nosso planeta.
E note aqui que estamos falando de massa, não tamanho. No ano passado, os físicos sugeriram um buraco negro do tamanho de uma bola de boliche para explicar um objeto hipotético em nosso sistema solar conhecido como Planeta Nove.
A equipe de Kusenko fez outra rodada de observações em Mauna Kea no final de 2020 e agora deve realizar o trabalho árduo de filtrar os dados. Provavelmente, saberemos mais tarde neste ano se eles encontraram quaisquer buracos negros em potencial — e estamos na torcida para que as notícias sejam otimistas.