Marte antigo pode ter sido menos úmido do que imaginávamos
Nova na Nature Geoscience sugere que os rios que corriam no Planeta Vermelho não foram responsáveis pela forma distinta de certos vales marcianos localizados na nas terras altas do sul do planeta.
Em vez disso, essas características geológicas foram forjadas pelo derretimento da água sob geleiras gigantescas, em um processo conhecido como erosão subglacial. A nova pesquisa sugere que Marte antigo era provavelmente frio e gelado, e não o planeta úmido e temperado que se presumia até então.
“Nosso estudo desafia a visão amplamente difundida de que a maioria das redes de vales em Marte foi formada por rios alimentados por precipitação”, explicou Gordon Osinski, co-autor do novo artigo e geólogo planetário da Western University, em “Embora tenhamos encontrado evidências consistentes com a formação de um pequeno punhado de redes de vale dessa maneira, nossas observações sugerem que a maioria se formou sob camadas de gelo.”Curiosamente, esses resultados, embora surpreendentes, parecem coincidir com os resultados dos modelos climáticos. sugerem que o Planeta Vermelho estava frio e coberto de gelo há 3,8 bilhões de anos atrás.
Dos 66 sistemas de vale estudados, os pesquisadores identificaram que 22 foram formados a partir de erosão subglacial; 14, fluvial; nove, glacial;, três, por enfraquecimento causado por água subterrânea; e 18, de origem indeterminada.
Essas descobertas são “a primeira evidência de extensa erosão subglacial impulsionada pela drenagem canalizada de água de derretimento sob uma antiga camada de gelo em Marte”, disse Jellinek em comunicado de imprensa da ASU, acrescentando que esses resultados “demonstram que apenas uma fração das redes de vale corresponde aos padrões típicos de erosão das águas superficiais, o que contrasta fortemente com a visão convencional.”Bruce Jakosky, um professor de geologia da Universidade do Colorado e pesquisador principal da missão Maven (Mars Atmosphere and Volatile Evolution), descreveu a nova análise como “interessante” mas não “definitiva”.
“Com base em seus números, parece haver uma gradação suave entre as propriedades das redes de vale individuais”, disse Jakosky em um e-mail. “Ter uma gradação suave nas propriedades, mas classificá-las em um número limitado de processos de formação, parece deixar uma possibilidade aberta a incertezas significativas.”Por isso, Jakosky não está muito confiante nos números específicos usados no estudo. Ele também não se impressionou com o número relativamente pequeno de 66 redes de vale usadas como amostra, dada a declaração dos autores de que existem em Marte.
“Com exceção do baixo número de erosões por enfraquecimento causado por água subterrânea, isso parece consistente com uma distribuição aleatória entre os outros processos”, explicou ele. “Ou seja, mesmo que a erosão subglacial seja a mais proeminente, ela não é tão dominante que justifique a conclusão de que eles são o principal processo. Ou seja, eles afirmam que subglacial e fluvial dominam, mas parece mais ou menos igual entre todos os processos.” Ao que ele acrescentou: “As conclusões deveriam ter sido que todos os processos que eles examinaram tiveram um papel, e nós precisamos procurar um clima/ambiente que possa suportar todos eles.”Scott King, um geocientista de Virginia Tech, achou o novo resultado razoável e até provável.
“Acho que o problema é que estamos falando de Marte e temos algumas ideias bastante fortes o planeta, e às vezes isso atrapalha como encaramos as observações”, escreveu King em um e-mail. “Esse é um desses estudos que nos faz parar e nos perguntar: por que partimos do pressuposto que todas as redes de vales em Marte eram fluviais? Por que a erosão fluvial e glacial não ocorreram em Marte? Os modelos climáticos nos dizem que Marte era frio e tinha gelo, então esses pesquisadores fizeram uma pergunta muito lógica: ‘que tipo de redes de vale vemos?’.”De fato, os novos dados devem ser reconciliados com outras evidências geológicas de Marte antigo, como os locais de antigos lagos e deltas de rios (incluindo a cratera Jezero, o local de destino do rover Perseverance em Marte), formações de argila (como descoberto pelo rover Curiosity) e até as evidências de um antigo mega-tsunami em Marte.
Marte antigo era úmido, mas o novo artigo complica nossa compreensão do passado do planeta ao mostrar como processos erosivos causados por outros fatores que não águas superficiais de fluxo livre podem esculpir certas características geológicas. No futuro, os cientistas planetários fariam bem em lembrar deste artigo, mesmo que seja um pouco incompleto. Está ficando cada vez mais claro, no entanto, que Marte antigo era um lugar complexo e dinâmico.