Mariposa de Darwin: inseto com “língua” enorme foi previsto pelo famoso naturalista 40 anos antes de ser descoberto
Reportagem: Natasha Pinelli/Instituto Butantan
A belíssima orquídea-cometa (Angraecum sesquipedale) foi descrita pelo botânico francês Louis Marie Aubert Thouars ainda no século XVIII, mas é como “orquídea de Darwin” que muitos a conhecem. A mesma confusão de nomenclatura pode acontecer com um tipo de mariposa-falcão (da família Sphingidae): ela é comumente chamada “mariposa de Darwin”, apesar de não ter sido nem encontrada, nem descrita pelo naturalista britânico, famoso por sua teoria de evolução das espécies. É que tanto a planta como o inseto estão intimamente relacionados às ideias de Charles Darwin, e ajudaram a comprovar o conceito de seleção natural.
Confirmando a previsão do britânico, a mariposa-falcão nativa de Madagascar foi descrita quatro décadas depois. Mas foram necessários quase 150 anos para que a teoria proposta por Charles Darwin em relação à fecundação da orquídea-cometa fosse, enfim, ratificada por fotos e vídeos capturados na natureza. Neste Darwin Day, data que marca os 215 anos de seu nascimento, entenda essa previsão incrível realizada por um dos principais nomes da ciência mundial.
“Sabe lá Deus que inseto conseguirá sugá-lo”
Maravilhado pela enorme variedade de orquídeas disponíveis no planeta, o autor da teoria da evolução por seleção natural dedicou boa parte da vida ao estudo dessa família de plantas. Quando exemplares de A. sesquipedale foram parar em suas mãos, em 1862, Charles Darwin ficou entusiasmado não apenas pelo formato diferenciado de estrela das flores, mas também por seu comprido bulbo polínico.
“Acabei de receber uma caixa do Sr. Bateman com a surpreendente Angraecum sesquipedale com um nectário de 30 centímetros de comprimento. Sabe lá Deus que inseto conseguirá sugá-lo”, escreveu ele a um amigo, pouco depois de receber a encomenda. Passados alguns dias, enviou uma nova carta ao mesmo colega: “Que probóscide deve ter a mariposa que o suga! É um caso muito bonito.”
Por fim, Darwin concluiu que em Madagascar deveria haver algum tipo de “mariposa gigante”, com espirotromba – como também é conhecida a estrutura que confere ao animal a possibilidade de sugar – capaz de se estender por entre 25,4 e 27,9 centímetros. A informação consta no seu livro As Várias Maneiras Como as Orquídeas São Fertilizadas pelos Insetos, publicado pela primeira vez em 1862.
Alfred Russel Wallace, outro naturalista britânico, completou as previsões em torno do assunto e foi ainda mais específico que seu conterrâneo ao sugerir que a mariposa capaz de polinizar a orquídea-cometa provavelmente seria da família Sphingidae.
Na edição de junho de 1873, mais de uma década após as primeiras previsões de Charles Darwin, a revista científica Nature publicou um artigo do zoologista inglês William Alexander Forbes em que ele “desafiava” os leitores a tentar encontrar o animal previsto. Uma das respostas à questão foi enviada pelo botânico e entomologista alemão Hermann Müller, que dizia não conhecer a mariposa da ilha africana, mas afirmava que seu irmão, o naturalista e observador Fritz Müller, havia reportado uma mariposa-esfinge com probóscide de quase 25 centímetros no Brasil. Até hoje, cerca de 180 espécies dessa família já foram registradas no país.
Uma mariposa linguaruda
Exatos 41 anos depois que os primeiros rumores sobre sua existência começaram a circular entre os especialistas da época, a mariposa foi enfim descoberta e descrita pelo entomologista Karl Jordan e pelo zoólogo Walter Rothschild.Na época, o inseto foi classificado como Xanthopan morganii praedicta, uma subespécie da Xanthopan morganii (ou mariposa-esfinge de Morgan), sendo o praedicta do “epíteto subespecífico” (terceira palavra do nome científico) uma referência às previsões de Darwin e Wallace.
Recentemente, o animal foi elevado ao patamar de nova espécie – alcançado o mesmo nível da X. morganii –, depois que .
Mais especificamente, foram 25 divergências morfológicas, como os formatos das asas e das genitálias, e também nos padrões de cores. A nova espécie Xanthopan praedicta, por exemplo, apresenta manchas pretas específicas no seu segundo par de asas e abdômen mais rosado quando comparada à X. morganii, que tem aspecto amarelado.
Outra característica discordante refere-se ao tamanho da probóscide. Depois de medirem cautelosamente quase 150 exemplares das duas espécies, os cientistas chegaram à conclusão de que o órgão da mariposa de Darwin é, em média, 7 centímetros maior, podendo atingir incríveis 28 centímetros – como indicavam as previsões!Coevolução: uma mão lava a outra
Assim como as borboletas, as mariposas integram a Ordem Lepidoptera. Quando adultos, a maioria dos insetos desse grupo utiliza a espirotromba para se nutrir, alimentando-se principalmente do néctar das flores. Já as orquídeas, encontradas nos mais diversos tipos de ambientes – de florestas tropicais às margens de desertos – são plantas com características tão específicas que podem depender de um único tipo de inseto para realizar sua polinização. Na natureza, essa dinâmica de “evolução conjunta” e de certa “dependência” entre mariposa e orquídea é conhecida como coevolução.“As pressões seletivas foram fazendo com que tanto a planta como o inseto ficassem cada vez mais aperfeiçoados um ao outro, gerando essa relação de interdependência”, explica a curadora da Coleção Entomológica do Instituto Butantan, Flávia Virginio. É como se em troca da ajuda na polinização, a Angraecum sesquipedale recompensasse a X. praedicta com seu néctar. Essa, por sua vez, enfrenta menor concorrência na competição por alimento.
Embora a extinção de uma das espécies possa levar a um importante declínio na população da outra, os pesquisadores da Sorbonne e dos Museus de História Natural acreditam que a X. praedicta não seja a única polinizadora da A. sesquipedale. Outras mariposas de tromba longa já foram registradas visitando a orquídea-cometa. Da mesma forma, a mariposa de Darwin já foi vista rondando outras orquídeas e até plantas de outras famílias, como o baobá-perrieri. Em nenhum dos casos, porém, a polinização foi confirmada.
* Este conteúdo contou com a colaboração da curadora da Coleção Entomológica do Instituto Butantan, Flávia Virginio, e da bióloga e técnica Natália Batista Khatourian, ambas do Laboratório de Coleções Zoológicas do Butantan.
Fontes:
AMERICAN ENTOMOLOGIST.
ANTENOR.
BOTANICAL JOURNAL OF THE LINNEAN SOCIETY.
THE EUROPEAN MOLECULAR BIOLOGY LABORATORY.