Descobertas arqueológicas em uma caverna mexicana sugerem que os seres humanos chegaram à América do Norte há cerca de 30 mil anos atrás, o que representa 10 mil a 15 mil anos antes das estimativas anteriores. A nova pesquisa significa que as primeiras pessoas a chegarem ao continente americano o fizeram seguindo uma rota costeira no Pacífico.
As primeiras pessoas a chegarem à América do Norte não esperaram as gigantes prateleiras de gelo derreterem, chegando ao continente no auge da última era glacial, de acordo com dois estudos publicado na Nature nesta quarta-feira (22).
O novo período de tempo revisado, como evidenciado pelas ferramentas de pedra e lascas encontradas na caverna Chiquihuite, no norte do México, sugere que os seres humanos se aventuraram pela primeira vez na América do Norte entre 31 mil e 33 mil anos atrás, em vez da janela geralmente acordada de 15 mil e 20 mil anos atrás. Essa é uma atualização significativa para o nosso pensamento e um descoberta para possivelmente reescrevermos livros.
De fato, as ramificações científicas desses novos artigos não são triviais, pois pesam duas teorias notáveis: a primeira hipótese de Clóvis (eram caçadores que, acredita-se, foram os primeiros habitantes da América) e a hipótese da migração costeira.
Se confirmada, a nova descoberta significa que o povoamento Clovis não foi o primeiro a chegar à América do Norte há cerca de 13 mil anos. Também significa que a rota inicial para o continente, seguiu ao longo da costa do Pacífico e não um corredor interior, dada a presença humana nessas cavernas mexicanas durante o último Maximo Glacial, quando as camadas continentais de gelo eram maiores.
Já a América do Sul teria sido povoada após migração de populações vindas da América Central. Um dos principais símbolos de como este povo era é a representação de Luzia, um fóssil reconstituído após análise de DNA achado em Minas Gerais.
Equipe entra na caverna Chiquihuite, no México. Crédito: Devlin A. Gandy
Análise de ferramentas em caverna no México
O , liderado pelo arqueólogo Ciprian Ardelean, da Universidade Autônoma de Zacatecas, no México, descreve ferramentas de pedra e lascas, restos de plantas e fragmentos de DNA de animais não humanos encontrados na caverna Chiquihuite, um local de alta altitude localizado nas montanhas Astillero, no norte do México. Uma série de artefatos encontrados no mesmo local em 2012 davam uma pista sobre ocupação humana, levando a essa investigação mais extensa.
No total, os arqueólogos encontraram 1.930 artefatos de pedra, dos quais os mais antigos datavam de 27 mil anos atrás e os mais novos a 13 mil anos atrás. Os artefatos foram fabricados a partir de calcário, mas adaptados a um estilo lítico anteriormente desconhecido.
“No geral, a assembleia representa uma indústria lítica sem semelhanças evidentes com qualquer um dos outros complexos culturais das épocas do Pleistoceno ou do Holoceno precoce conhecidas nas Américas”, escreveram os autores.
Esse modo de indústria provavelmente exigiu habilidades avançadas de descamação para transformar a matéria-prima — calcário recristalizado — em ferramentas, de acordo com os pesquisadores. Os cientistas ainda não sabem como ou onde o calcário esverdeado foi originado, mas uma análise química sugere que esse material não veio de dentro da caverna.
No total, Ardelean e seus colegas obtiveram ossos, carvão e sedimentos de 52 períodos, usando radiocarbono e datação por luminescência estimulada opticamente. As ferramentas de pedra retiradas das camadas mais profundas, cerca de 3 metros abaixo da superfície da caverna, tinham 26,5 mil anos de idade. Trabalhos anteriores de Ardelean em uma camada ainda mais profunda produziram lascas de pedra a partir de batidas, que retrocedem “datas de dispersão humana na região possivelmente entre 33 mil e 31 mil anos atrás”, segundo o estudo.
Como Ardelean disse ao Gizmodo, o período de 33 mil a 31 mil anos “é proposto como a presença mais antiga possível, mas a ocupação é mais evidente” há cerca de 26,5 mil anos.
Ferramenta de pedra, feita de calcário, encontrada na caverna Chiquihuite, no México. Crédito: Ciprian Ardelean
“Este local datado de forma expansiva é rico em evidências de ferramentas de pedra, diferente de tudo o que é visto na tecnologia Clovis”, disse Kira Westway, geocronóloga da Universidade de Macquari, na Austrália, ao Gizmodo. “Isso sugere uma comunidade pré-Clóvis que se dispersou pelas Américas muito antes de alguém ter previsto”.
Além das ferramentas e pedaços de pedra, os pesquisadores analisaram restos de plantas e traços de DNA ambiental. Infelizmente, os pesquisadores não conseguiram encontrar nenhum osso ou DNA pertencente a seres humanos.
“Isso não nega a presença humana na caverna de Chiquihuite, já que a probabilidade de detectar o DNA humano antigo de sedimentos de cavernas já foi mostrada anteriormente como baixa”, escreveram os autores. “É necessário mais trabalho de DNA arqueológico e ambiental para elucidar melhor as origens dos habitantes da caverna Chiquihuite, sua relação bio-cultural com outros grupos mais antigos que Clovis e o caminho que seus ancestrais seguiram para as Américas.”
Acharam ferramentas, mas não DNA humano
Alguns cientistas são céticos em relação às novas conclusões. “Embora a datação das camadas pareça precisa, estou intrigado, mas não convencido no momento de que isso representa uma presença humana precoce”, disse Ben Potter, um arqueólogo afiliado ao Centro de Estudos Árticos da Universidade de Liaocheng, na China, ao Gizmodo. “No entanto, os autores devem ser elogiados por trazer um forte esforço multidisciplinar para entender a caverna.”
A preocupação de Potter decorre do fato de que grande parte do chão da caverna ser coberta por depósitos de calcário e queda de telhado, que é a matéria prima para produzir os artefatos.
“Os autores argumentam que os artefatos de calcário são de um material diferente do calcário quebrado da caverna e da matriz [as camadas estratigráficas que contêm os artefatos], mas não fornecem dados analíticos que demonstrem isso”, disse Potter.
Uma explicação alternativa, ele sugeriu, é que essas peças não são ferramentas de pedra, mas geofatos — formações naturais de pedra que são difíceis de distinguir dos artefatos feitos pelos homens. Esses geofatos poderiam ter sido produzidos por pedaços de calcário e pedaços caídos de telhado, entre outros processos naturais, segundo ele.
“Infelizmente, os principais dados que ajudariam a testar essas hipóteses não estão presentes: ilustrações técnicas detalhadas mostrando a remoção de cicatrizes de lasca e outros atributos técnicos”, disse Potter. “As fotografias são intrigantes e alguns dos itens parecem ser artefatos, mas muitos parecem pedaços tabulares quebrados sem bordas afiadas”, disse ele, acrescentando que “nenhum detalhe técnico” foi fornecido no artigo ou nos suplementos. Sem esses dados, “é difícil distinguir completamente geofatos e artefatos”.
De fato, os autores do estudo estão fazendo uma afirmação ousada: As datas propostas na América Central “implicariam um povoamento ainda mais precoce que a América do Norte, talvez seguindo as costas asiáticas e americanas, pelo menos dobrando os números atualmente aceitos”, disse Chris Stringer, antropólogo físico do Museu de História Natural de Londres, que não estavam envolvidos com a nova pesquisa, ao Gizmodo.
Arqueólogos coletam amostras de sedimentos da caverna em busca de DNA. Crédito: Devlin A. Gandy
Humanos chegaram à América do Norte há mais de 20 mil anos
O publicado nesta quarta-feira é de autoria de Lorena Becerra-Valdivia da Universidade de New South Wales e Thomas Higham, da Universidade de Oxford — os quais também contribuíram para o artigo de Ardelean.
Ao revisar as datas de radiocarbono e luminoscência de 42 sítios arqueológicos da América do Norte, Berlingian, Becerra-Valdivia e Highham mostram que os seres humanos, apesar de pouco povoados, estavam certamente nas Américas entre 26,5 mil e 19 mil anos atrás. Quanto à ocupação humana mais difundida, isso não aconteceu até o último gelo se esvair, cerca de 14,7 mil a 12,9 mil anos atrás, segundo o estudo. Os pesquisadores usaram modelagem estatística para estimar padrões de dispersão humana em todo o continente, levando em consideração fatores como genética e evidência climática, além das evidências arqueológiacas.
O fato de os seres humanos viverem na América do Norte há cerca de 20 mil anos parece ser o caso. Os locais considerados no novo artigo incluem Cactus Hill, na Virgínia, datado de 19 mil a 20 mil anos atrás; Santa Elina, no Brasil, datado de 23 mil anos atrás; Monte Verde II, no centro-sul do Chile, datado de 18,5 mil a 14,5 mil anos atrás; em Idaho, com data entre 16 mil a 15 mil anos atrás; , no Oregon, datado de 14 mil a 13 mil anos atras; e, é claro, as novas descobertas na caverna Chiquihuite.
Mais controversamente, há o local de Cerutti, na Califórnia, que os de 130 mil anos atrás, em um resultado tão estranho que é amplamente ignorado pelo arqueólogos (incluindo os autores deste artigo).
Potter não se impressionou com o novo estudo, dizendo que “os autores assumem que cada data e sítio não tem problemas contextuais ou outros”, o que está “longe do caso”. A “inclusão acrítica de alguns locais e a exclusão de outros deixa o leitor com uma imagem confusa”, um problema agravado pela ausência de outros animais, como “datação genética derivada de divisões populacionais, adições [eventos de cruzamento] e população expansão e diversificação de linhagens associadas ao povoamento das Américas”, disse Porter.
“Na minha opinião, a primeira manifestação generalizada nas Américas data de 14,5 mil a 14 mil anos atrás”, disse Potter. Existem alguns locais humanos provisoriamente datados antes dos 16 mil, disse ele, mas locais anteriores a esse — incluindo a Caverna Chiqueihuite — são ambíguos, na melhor das hipóteses, na sua opinião.
De fato, é o momento certo para se discutir isso, apesar dessas preocupações, de colocar a teoria de Clovis em primeiro lugar.
“Durante a maior parte do século 20, acreditava-se que o povoamento das Américas ocorreu com a conquista caçadores há cerca de 13 mil anos, por meio de um ‘corredor sem gelo’ através das vastas camadas de gelo que ainda cobriam a paisagem após a última era glacial”, disse Westaway. “Eles trouxeram com eles seu próprio kit de ferramentas de pedra, chamado de tecnologia Clovis, que se espalhou rapidamente pelas Américas e, portanto, essa dispersão ficou conhecida como o primeiro modelo Clovis”.
Os dois novos artigos “desafiam essa imagem de seres humanos conquistando a ‘parede de gelo’ e ofereceram um cenário alternativo ao primeiro modelo de Clovis”, disse ela. “Esta pesquisa combinada abre um mundo de novas possibilidades de estudo, quebra as limitações das teorias aceitas e rotas de dispersão e demonstra o potencial de novas cronologias para mudar nossas noções preconcebidas”.
De fato, a hipótese da nunca pareceu mais forte. Certamente parece que, no auge da última era glacial, os humanos abraçaram a costa do Pacífico, contornando as impenetráveis camadas de gelo Cordilleran e Laurentide. Ainda é muito provável que os humanos tivessem viajado por um corredor sem gelo entre esses lençóis, embora possa ter ocorrido mais tarde.
Claramente, temos muito a aprender sobre o povoamento das Américas, mas o quadro está cada vez mais visível.