Hospital Universitário da USP coordenará validação de novos critérios para sepse em crianças
Texto: Ivan Conterno* /Jornal da USP
Segundo a médica Daniela Carla de Souza, pesquisadora do Hospital Universitário (HU) da USP que participou do trabalho, a definição adotada até então era baseada apenas na opinião de alguns especialistas que se reuniram em 2005. Para essa atualização, a Society of Critical Care Medicine (SCCM) reuniu especialistas de 12 países e seis continentes, que primaram pela simplicidade. “Dessa vez, foi usada uma metodologia bastante robusta, envolveu um grupo diverso de especialistas em termos de gênero, especialidade e região geográfica, incluiu dados de países de alta e baixa e média renda e usou técnicas de machine learning, o que permitiu a análise de dados de mais de 3 milhões de pacientes admitidos nas unidades hospitalares.” O aprendizado de máquina (machine learning) é uma técnica de inteligência artificial capaz de analisar enormes quantidades de informações.
A doença é mais comum em países de baixa e média renda — mais de 85% dos casos e óbitos. Sobre isso, a especialista esclarece ao Jornal da USP os fatores que podem favorecer a ocorrência de sepse: a falta de conhecimento sobre a doença, a falta de saneamento básico, a falta de higiene, a desnutrição, a baixa taxa de cobertura vacinal e a dificuldade de acesso aos serviços de saúde. “Em um país com limitação de recursos, demora muito mais para um paciente conseguir chegar ao hospital, ser atendido e o diagnóstico ser feito do que num país com mais recursos”.
A rapidez é importante, especialmente nesse grupo que ainda tem toda uma vida pela frente, porque a sepse é uma doença tempo-sensível, assim como o AVC e o infarto. Isso significa que o paciente tem mais chances de se curar e ficar sem sequelas se o socorro for rápido e adequado. No mundo, metade dos casos da doença atingem crianças e adolescentes, embora a mortalidade em adultos seja maior.Causada por infecção, mas nem sempre generalizada
“Não é a infecção que causa lesão nos órgãos. É a própria resposta do organismo tentando combater essa infecção, que é desregulada e deletéria. Às vezes porque é um paciente que está imunossuprimido, que está tratando um câncer, ou é desnutrido”, exemplifica a médica ao Jornal da USP. “Existem pessoas que não têm nenhuma patologia crônica que, de repente, o organismo responde de uma forma inadequada. É essa resposta do organismo que causa as outras disfunções orgânicas.”
Com 11 milhões de mortes pela doença no planeta em 2017, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu naquele ano a sepse como prioridade da saúde pública global. , 25% dos leitos de UTI pediátrica no Brasil são ocupados com casos de sepse, dos quais 20% evoluem para óbito (5% dos leitos de UTI pediátrica). Em adultos, a situação é ainda mais preocupante, com quase um terço (29,6%) dos leitos ocupados por pacientes sépticos e letalidade de 55% (16,3% dos leitos), de acordo com . Isso porque, como observa a Daniela, que também é presidente do instituto, os pacientes que não conseguem ser admitidos nas UTIs ou unidades de internação ficam de fora dessa estatística. “De cada 10 pacientes que fazem o diagnóstico de sepse no pronto-socorro, 4 não conseguem ser internados no hospital — na UTI, ou num leito de enfermaria.”Atenção aos sintomas
Definição dos critérios
O grupo se baseou na . “Desde o início do trabalho, houve sempre uma preocupação muito grande de que os critérios fossem válidos para países de alta renda e para países de baixa e média renda”, conta a pesquisadora ao Jornal da USP.
Para serem aplicados em países com poucos recursos, os critérios que indicavam a doença precisavam ser perceptíveis com a menor quantidade de exames laboratoriais possível. De acordo com a Daniela, esses parâmetros também são mais certeiros para todos os casos. “Eles apresentaram uma sensibilidade e um valor preditivo positivo melhor do que os critérios anteriores”. Na quarta-feira, dia 24 de abril, a pesquisadora apresentará os resultados na Reunião Clínica do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), transmitida no HU. A cientista do HU também é a principal investigadora de um estudo coordenado pela USP que avaliará o número total de casos, os fatores de risco e a mortalidade por sepse em UTIs pediátricas da América Latina, utilizando os novos critérios de diagnóstico em larga escala.Daniela ressalta a importância da participação no consenso publicado no Jama. “A USP mais uma vez está representada na comunidade científica global, mesmo diante dos desafios que os cientistas têm enfrentado no nosso País com financiamento limitado, infraestrutura precária e burocracia muitas vezes frustrante. E para mulheres, como eu, os obstáculos são ainda maiores, uma vez que enfrentamos desigualdades de gênero e preconceitos em um ambiente muitas vezes dominado por homens. Este trabalho é uma prova que, apesar das adversidades, podemos produzir conteúdo de qualidade e participar ativamente de estudos mundiais.”
Mais informações: e-mail [email protected], com Daniela Carla de Souza
*Estagiário com orientação de Luiza Caires
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
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