HBO e Discovery se juntam pra disputar seu dinheiro com a Netflix

Enquanto a Verizon simplesmente anunciou que ia “desovar” as unidades, a AT&T fez um spin-off da antiga TimeWarner e fundiu com a Discovery.
Foto: Glenn Carstens-Peters/Unsplash

Essa é a terceira semana desta coluna e já vamos repetir assunto — mais ou menos. O negócio é que, pouco mais de duas semanas depois de a Verizon anunciar que ia se livrar de Yahoo e AOL, a AT&T, que é a maior concorrente da Verizon (AT&T e Verizon são a Vivo e a Claro americanas), também deu um jeito de se livrar da produtora de conteúdo que tinha comprado em 2018. A diferença é que a AT&T passou um verniz mais bonito no fracasso! Enquanto a Verizon simplesmente anunciou que ia “desovar” as unidades, a AT&T fez um spin-off da antiga TimeWarner e fundiu a empresa com a Discovery, dona dos canais de mesmo nome e de alguns outros importantes de TV a cabo.

A diferença não é só de narrativa, claro. A Verizon reconheceu o fracasso e saiu fora. A AT&T não reconheceu mas continuou no negócio, e tenta ainda desenhar um caminho para ele dar certo. Pode dar certo, mas os obstáculos não são pequenos.

Primeiro de tudo é bom entender o que está se juntando, porém, e não é pouco. A TimeWarner é dona de nada menos que CNN e HBO, para citar apenas as marcas mais conhecidas, além dos canais TNT e TBS que, nos EUA, têm forte presença em esportes. A Discovery, além dos canais que levam seu nome, tem o Animal Planet e porradas de programas daqueles de decorar casa e afins. No cabo, é uma união massiva. E o problema principal é justamente esse. Um dos obstáculos para as TVs a cabo concorrerem com a Netflix é justamente o fato de que sua receita ainda é proporcionalmente maior no cabo do que no streaming, ou seja, não dá pra brigar com as NET deles. Se para assinar a HBO no cabo custa US$ 15, não dá pra cobrar US$ 9,99 no streaming. Só que a Netflix pode cobrar quanto quiser. Em teoria, não há motivo para que a HBO não custe mais barato no cabo também, ainda mais considerando que no cabo aceita-se a publicidade bem melhor do que no streaming, e isso é outra fonte importante de receita. O problema é que isto depende de um acordo com as operadoras de cabo — Verizon e TimeWarner, aliás, estão entre as maiores do mercado americano, o que não contribuiu em nada para avançar esta estratégia.

* O que nos traz a outra questão: quantos serviços de streaming cabem no mercado? As pessoas estão dispostas a assinar 10 serviços diferentes para ter acesso a todos os programas disponíveis? O FOMO, o medo de perder algo que todo mundo está vendo, vai contribuir pra isso? Ou o orçamento curto vai puxar a corda para o outro lado e no final os serviços com menos assinantes vão acabar minguando até que sobrem quatro ou cinco?

Juntas, HBO Max e Discovery+ têm cerca de 63,9 milhões de assinantes no mundo todo, segundo o Los Angeles Times. Este número inclui os assinantes de TV a cabo. Não é um número desprezível mas a Netflix tem 200 milhões de assinantes, enquanto o Disney+ chegou a 100 milhões em menos de um ano. Considere ainda que a Disney é dona da ESPN, a marca mais forte em esportes, área considerada como a galinha dos ovos de ouro da TV, e possivelmente do streaming, por causa da importância das transmissões ao vivo. E que a ESPN ainda não está no Disney+.

A brincadeira que se tem feito é óbvia: “E se existisse um serviço que você pudesse ter uma única assinatura e ter todos os canais?” Poderia se chamar “TV a Cabo”. A questão é que um dos problemas da TV a cabo era justamente a obrigação de assinar pacotes com 500 canais dos quais você assistia 3. Isto acontecia (na verdade acontece) porque era uma das maneiras de diminuir o preço dos principais canais para as operadoras: desconcentrar a audiência.

De uma maneira ou de outra, a AT&T pelo menos consegue sair de um negócio no qual não estava preparada para investir, e no qual nunca conseguiu ser exatamente bem sucedida, deixando uma porta aberta para recuperar o investimento feito. A nova empresa deve ser dirigida pelo time que hoje toca a Discovery, que é considerado um time mais afeito ao mundo das produções do que o da AT&T. Por outro lado, a telefônica fez ajustes profundos na estrutura da TimeWarner pra tornar a companhia mais enxuta, o que deve ajudar o trabalho da nova gestão. Para o público, no final, tanto faz. A perspectiva de vários streamings concorrentes já foi mais atraente — ou alguém ainda se entusiasma com os roteiristas de 99% das séries originais Netflix? Ainda assim, são mais agentes diferentes concorrendo pelo nosso dinheiro, o que parece ser uma boa notícia. *

A dica dessa semana é uma só, mas vale muito: é a série Long Strange Trip, sobre o Grateful Dead, provavelmente o maior fenômeno da história do rock do ponto de vista de devoção dos fãs. A banda é incrível mas não é só por isso que você deve assistir a série, que é produzida por Martin Scorsese. Os seis episódios vão da origem da banda, profundamente enraizada nos tomadores de LSD dos anos 60, a sua enorme popularização nos anos 90, e acaba na morte de seu fundador Charlie Garcia. Vale muito a pena para entender os anos 60 e todo um momento em que o coletivo foi mais valorizado do que é hoje. Eu sinto falta (eu nasci em 1973)!

 

* Caio Maia é Diretor de Redação da F451, que  publica o Gizmodo Brasil, e escreve sobre mídia.

Caio Maia

Caio Maia

Caio Maia é o publisher da F451 e do GizBr. Escreve a cada duas semanas sobre mídia, e quando os editores deixam escreve sobre outras coisas também. Passou pela Folha e depois fez Trivela, revistas ESPN e Sustenta! e uma lista longa de blogs, sites e podcasts.

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