Ciência

Fusão de estrelas de nêutrons gera segunda maior explosão de raios gama

Fenômeno produziu no espaço metais do grupo das terras-raras
Imagem: Clara & Sofía López Martín (Freepik) / Alberto J. Castro-Tirado (IAA-CSIC/UMA) 

Texto: Marcos Pivetta/Revista Pesquisa Fapesp

Artigo na revista Nature em 21 de fevereiro deste ano, com a participação de brasileiros, fornece mais evidências de que uma explosão de raios gama observada em março de 2023 deve ser decorrente de um evento cósmico raro: a fusão de duas estrelas de nêutrons ou de uma estrela dessa classe e de um buraco negro. A colisão e posterior união de objetos celestes tão densos são denominadas kilonova. Considerada a segunda explosão de raios gama mais luminosa e energética já registrada, a ocorrência do ano passado tinha sido alvo de um trabalho anterior, também publicado na Nature, mas feito por outro grupo de astrofísicos, que apresentou resultados similares aos do mais recente estudo.

A explosão associada a uma kilonova gera gigantescas emissões de luz, sobretudo no comprimento de onda dos raios gama, que são invisíveis ao olho humano. Outra assinatura decorrente da união de duas estrelas de nêutrons é a produção de elementos químicos do grupo das terras-raras, também denominado lantanídeos, que são mais pesados que o ferro. No espaço, apenas a explosão associada a uma kilonova seria capaz de atuar como uma fábrica de terras-raras. Os lantanídeos são forjados a partir de um processo conhecido como captura de nêutrons, que envolve decaimento radioativo e emissões de raios gama, a forma de luz (fóton) mais energética. “Encontramos evidências de que essa kilonova teria produzido mais lantanídeos estáveis do que esperávamos inicialmente”, diz o astrofísico Clécio De Bom, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Ele é um dos três brasileiros que assinam o artigo, redigido por um grupo internacional de pesquisadores e coordenado por Eleonora Troja, da Universidade de Roma Tor Vergata. Os outros dois são Martín Makler, também do CBPF, e Felipe Navarete, astrônomo que trabalha no telescópio Soar, instrumento de observação instalado no Chile, operado pelo Brasil e por universidades norte-americanas.
Imagem do telescópio James Webb mostra a kilonova que gerou a explosão de raios gama GRB 230307A e a galáxia-mãe da qual migraram as duas estrelas nêutrons que se fundiram nesse processoImagem do telescópio James Webb mostra a kilonova que gerou a explosão de raios gama GRB 230307A e a galáxia-mãe da qual migraram as duas estrelas nêutrons que se fundiram nesse processo. Imagem: NASA, ESA, CSA, STScI, Andrew Levan (IMAPP, Warw)

Numa kilonova, as emissões de raios gama decorrentes da fusão duram segundos, mas há liberação por dias ou semanas de um brilho residual, o chamado afterglow, em outros comprimentos de onda, como no óptico e infravermelho. Por isso, mesmo telescópios que não operam nas frequências de raios gama, como o Hubble e o James Webb, podem ser acionados para acompanhar o afterglow de eventos extremamente energéticos. “Observamos com o Soar essa kilonova em cinco épocas diferentes”, conta Navarete.

A segunda mais intensa explosão de raios gama foi primeiramente registrada em 7 de março de 2023 pelo satélite Fermi, da Nasa, dedicado a observações nessa faixa de comprimento de onda. O evento foi denominado GRB 230307A. As três primeiras letras são um acrônimo do nome do fenômeno em inglês, gammaray burst (GRB). Os números se referem ao ano (23), mês (03) e dia (07) em que o evento ocorreu. O “A” significa que foi a primeira explosão desse tipo vista naquela data.

Além de sua enorme luminosidade, o fenômeno despertou o interesse imediato na comunidade de astrofísicos devido a outras duas peculiaridades: sua duração atípica e a região do espaço de onde partiu a explosão. O forte pulso de raios gama se prolongou por cerca de 35 segundos, o que o situa, segundo a classificação da área, como uma explosão de longa duração. Os eventos desse tipo que duram menos de 2 segundos são considerados curtos; os que ultrapassam esse limite de tempo são tidos como longos. O problema é que as kilonovas sempre foram associadas a GRB curtos, enquanto os pulsos de raios gama mais duradouros costumam ser produzidos por supernovas. A morte de estrelas de grande massa, um processo que também gera uma forte explosão, é denominada supernova. No entanto, os astrofísicos dos dois grupos independentes que analisaram o GRB 230307A não encontraram nenhuma estrela massiva moribunda no local em que ocorreu o evento.

Essa região é praticamente vazia de objetos e dista cerca de 130 mil anos-luz da galáxia mais próxima. Tal cenário desolador levou os pesquisadores a propor uma explicação para essa incômoda situação: um par de estrelas de nêutrons teria se desgarrado da galáxia-mãe e migrado para uma área vizinha. No meio do nada, as estrelas se fundiram e geraram a espantosa explosão de raios gama de mais de meio minuto. Segundo a astrofísica italiana Eleonora Troja, nunca se observou uma kilonova e seus desdobramentos por mais de uns poucos dias. “É preciso observar por semanas e meses [como eles fizeram] para descobrir quais metais foram forjados na explosão”, disse a pesquisadora, em comunicado à imprensa sobre o estudo. Como no lugar associado ao GRB 230307A há indícios da formação de lantanídeos, os pesquisadores defendem a ideia de que ali houve uma fusão de dois objetos muito densos e compactos, dos quais ao menos um era uma estrela de nêutrons.

Artigo científico
YANG, Y. et al. . Nature. 21 fev. 2024.

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