Frio hoje, quente amanhã: mudança brusca do clima compromete sistema imunológico e contribui para aumento de doenças respiratórias
Reportagem: Natasha Pinelli/Instituto Butantan
Nos últimos anos, o período de outono/inverno tem sido marcado por mudanças bruscas de temperatura – um padrão que tende a se repetir por conta das mudanças climáticas. , o inverno de 2023 foi o mais quente das últimas seis décadas, com termômetros superando os 30 °C e, muitas vezes, seguidos de um frio intenso. O fenômeno se repetiu há pouco no Rio Grande do Sul. Após dias de chuvas torrenciais, que provocaram a pior enchente da história do estado, as temperaturas despencaram e ficaram próximas a zero em muitas regiões.
Frio, calor e oscilação térmica
, nos Estados Unidos, demonstrou que as baixas temperaturas prejudicam a ação do sistema imunológico nas vias aéreas superiores, sobretudo da resposta imunológica inata antiviral – espécie de “primeira linha” de defesa, formada por proteínas receptoras que ficam de prontidão na superfície das células imunológicas para “pegar” um vírus. Isso porque é preciso uma temperatura ideal para que as reações químicas envolvidas no processo aconteçam de forma satisfatória.
“No frio, essa resposta se torna bem mais lenta. É como se tivéssemos metade do efetivo policial para guardar uma cidade inteira”, compara Érique. A partir daí, é comum o desenvolvimento de um quadro febril a fim de acelerar os processos de divisão celular, produção de hormônios e migração das células imunológicas para o local onde está ocorrendo a invasão microbiana. “A diferença aqui é que pessoas que estão com a saúde em dia e, claro, vacinadas vão ter o melhor da sua ‘artilharia’ a postos”, completa., no Japão, as ondas de calor podem diminuir a capacidade de defesa do organismo contra patógenos virais. A pesquisa foi conduzida em modelos animais e mostrou que aqueles expostos à temperatura ambiente de 36 °C após oito dias seguidos produziram menos anticorpos e linfócitos contra o vírus influenza, indicando que a resposta imunitária adaptativa – quando as células orquestram respostas específicas para combater o invasor – foi gravemente prejudicada.
Além disso, os períodos mais quentes afetam a permeabilidade e a função intestinal (absorção de nutrientes), aumentando o risco de infecções. “Temos no nosso intestino a microbiota: um contingente de bactérias tão grande quanto o nosso sistema imunológico, que por meio de mecanismos químicos consegue ‘sentir’ a presença de patógenos e auxiliar em seu combate”, explica o gestor médico do Butantan.O organismo também sofre quando dias de frio e calor extremo – ou vice-versa – se sobrepõem rapidamente. , na Austrália, apontou que a variabilidade térmica aumenta o risco de morte, uma vez que o sistema de termorregulação dos seres humanos pode não responder de maneira eficiente diante de mudanças bruscas de temperatura.
As evidências mostraram que a exposição a temperaturas instáveis afeta os batimentos cardíacos, a pressão arterial, os níveis de colesterol no sangue, a vasoconstrição periférica e a capacidade do sistema imunológico de combater a invasão de agentes infecciosos, desencadeando principalmente eventos cardiovasculares e respiratórios.Época da gripe e dos resfriados
Também é durante a temporada de outono/inverno que, tradicionalmente, acontece um aumento dos casos de infecções respiratórias. Confirmando essa tendência, no início de abril o Brasil já registrava crescimento de diagnósticos positivos para os vírus sincicial respiratório (VSR) e influenza, .
A explicação para tal prevalência é multifatorial: a começar pelo fato de as vias respiratórias serem grandes “portas de entrada” do organismo, com altíssima suscetibilidade às partículas presentes no ar. Soma-se a isso a sazonalidade dos próprios vírus respiratórios – uma vez que apresentam estruturas mais instáveis diante de altas temperaturas, naturalmente há mais “oferta” de vírus como o VSR, adenovírus, rinovírus e influenza circulando no ar entre os meses de abril e setembro.Também contribui a alta concentração urbana da população brasileira – , onde o ar apresenta altas concentrações de partículas alergênicas e irritantes, sendo constantemente expostos a grandes aglomerações. “Respiramos milhares de vezes por dia e escapar dessa combinação é praticamente impossível”, observa Érique.
Daí a importância de adotar cuidados preventivos que podem fortalecer a resposta do sistema imunológico. Dentre os principais, o gestor médico do Butantan destaca a qualidade da alimentação, assegurando a ingestão diária de frutas, legumes e verduras; a hidratação, por meio da ingestão de água recomendada de acordo com o peso da pessoa; e a prática regular de atividades físicas. “A boa qualidade do sono também é essencial, assim como o tratamento de comorbidades psíquicas. Quando esses pontos estão desregulados, há uma elevação de cortisol no organismo, o que ajuda a deprimir ainda mais a nossa resposta imunológica.” Por fim, mas não menos importante, está a manutenção da carteira de vacinação em dia. Além da proteção individual, a imunização representa um benefício coletivo, pois limita a circulação de vírus e bactérias, prevenindo surtos e epidemias. “Boa parte das vacinas tem eficácia muito elevada contra o adoecimento e, sobretudo, casos graves – o que inclui hospitalização e até a morte, particularmente em grupos de risco, tais como gestantes e extremos de idade. Sem dúvida os imunizantes representam a melhor proteção para o nosso sistema imunológico. Não dá para deixar de tomar”, finaliza Érique.