Fisiologia: a colaboração entre ciência e futebol
Texto: Maria Guimarães/
Passadas as copas América e Europa, quem é fã de futebol provavelmente tem algo a dizer sobre por que as seleções da Argentina e da Espanha se saíram melhor do que as outras. Não falta opinião, mas há quem busque apoio científico. É o que faz, há alguns anos, o fisiologista do exercício Ronaldo Thomatieli Santos, do campus da Baixada Santista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ele e o profissional de educação física Elias de França, pesquisador em estágio de pós-doutorado em seu laboratório, em parceria com o grupo do cientista do esporte Luís Branquinho, do Instituto Politécnico de Portalegre, em Portugal, têm analisado dados fornecidos pela Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa) sobre as seleções nas mais recentes copas do mundo masculina e feminina para avaliar quais estratégias são mais bem-sucedidas. Também estudam informações recolhidas em jogos e treinos do São Paulo Futebol Clube para entender o que é mais eficaz em termos de treinamento e estimar o risco de lesão de cada jogador, de forma a contribuir para o trabalho da comissão técnica.
As análises evidenciaram diferenças entre os times dos vários continentes. As seleções europeias fazem mais gols, mais assistências, atacam mais e passam um tempo maior no campo de ataque. Já as sul-americanas conseguem mais finalizações e privilegiam o tempo no meio de campo, de acordo com artigos publicados em março e abril nas revistas Trends in Sport Sciences e Journal of Human Sport & Exercise. Em número de gols de bolas paradas, os dois continentes se equivalem. Já os times africanos têm menos posse de bola, chutam menos, acertam mais raramente no alvo e o número de passes é menor, com ataques rápidos e muitas faltas que geram mais cartões amarelos.
Uma primeira análise dos dados da Copa do Mundo feminina de 2023, na Austrália e na Nova Zelândia, indica que o time mais bem-sucedido (Espanha) foi o que se caracterizou por mais velocidade, de acordo com artigo publicado em março na revista International Journal of Performance Analysis in Sport. A rapidez se mostrou associada à capacidade de transpor a defesa e receber bolas no campo de ataque. O trabalho também ressalta que um bom desempenho em variáveis como posse e progressão de bola, assim como passes longos que furam a defesa, permitem que as atletas corram menos, enquanto o estilo de trocas rápidas de passes leva a percorrer distâncias maiores.
Ciência em campo nacional
As avaliações também são úteis como gerenciadoras do treino. “Podemos ajustar a carga do treinamento e potencializar a recuperação de forma individualizada”, conta Titton. Com base na análise de mais de 5 mil treinos de jogadores que tinham passado ao menos 80 minutos em campo na semana, incluindo a potência atingida na movimentação, os pesquisadores observaram, por exemplo, que exercícios de mudança de direção, desaceleração e pulos não ajudam a melhorar a velocidade de corrida em linha reta. Atletas com dificuldade de melhorar a velocidade poderiam reduzir os treinos que envolvam impactos mecânicos, de acordo com artigo publicado em março na revista Frontiers in Physiology. O trabalho já foi ampliado para 11 mil sessões e deu origem a prescrições de treinamento e a um artigo em fase de edição.
Quando não havia tecnologia, o trabalho era ainda maior. “Eu usava lápis e papel, improvisava muita coisa”, relembra o fisiologista Turibio Leite de Barros, que não participa dos estudos do grupo de Santos. Por 35 anos ele foi professor da Unifesp na área de fisiologia do exercício e por 25 anos, em paralelo, trabalhou como fisiologista do São Paulo, até 2010, quando se aposentou nas duas funções. Cada página tinha um campo de futebol em escala 1:300, e era ali que ele marcava um pontilhado quando um jogador andava, um tracejado quando trotava, uma linha contínua quando corria. “A cada 10 minutos eu trocava a folha.” Depois pegava a régua e media os deslocamentos. “Quando comecei, em 1985, nenhum clube tinha essa área de ciência aplicada.” Barros conta que todos os atletas realizavam o mesmo treinamento. “Criamos uma avaliação individual que permitia identificar as potencialidades e deficiências de cada um, assim como necessidades de atendimento personalizado”, diz. O resultado foi um “aptidograma”, ou um perfil de aptidão física que envolvia força, velocidade, capacidade de impulsão, flexibilidade, capacidade aeróbica e anaeróbica. Ele também desenvolveu uma forma de avaliar a capacidade de atuar em altitude. “Fizemos um teste no qual o atleta corria na esteira respirando o ar normal da sala, ou uma mistura gasosa que mandei fazer, replicando a que existe em La Paz”, conta – a altitude de 3.640 metros na capital boliviana representa um desafio para atletas. Alguns deles demonstraram um déficit acentuado de desempenho com o teor menor de oxigênio, outros sofreram pouco e poderiam ter prioridade na escalação. “Não tínhamos como anular os efeitos da altitude, então avaliar os atletas é o que podíamos fazer.” Ele conta que o sucesso do encontro entre o conhecimento científico e a prática esportiva teve muita visibilidade e a prática foi disseminada. “O fisiologista se tornou uma presença consagrada no futebol.” Uma versão deste texto foi publicada na edição impressa .Projeto
Análise do efeito agudo da associação da suplementação de L-Leucina e do sprint intervalado em marcadores inflamatórios, neuropeptídeos relacionados ao controle do apetite e seus impactos na percepção da saciedade e ingestão alimentar em adultos obesos (); Modalidade Bolsa de Pós-doutorado; Pesquisador responsável Ronaldo Vagner Thomatieli dos Santos (Unifesp); Bolsista Elias de França; Investimento R$ 347.308,83.
Artigos científicos
FRANÇA, E. de et al. . Trends in Sport Sciences. v. 31, n. 1, p. 5-16. 29 mar. 2024.
BRANQUINHO, L. et al. . Journal of Human Sport & Exercise. v. 19, n. 2, p. 654-66. 1º abr. 2024.
BRANQUINHO, L. et al. . Frontiers in Physiology. v. 15, 1341791. 5 mar. 2024.
BRANQUINHO, L. et al. . International Journal of Performance Analysis in Sport. On-line. 27 mar. 2024.