Fezes fossilizadas têm resquícios de parasitas que ainda infectam animais
Texto: Enrico Di Gregorio/
Parasitas são um grande problema para a medicina aviária. Alguns deles são microscópicos, como os protozoários, e podem infectar aves silvestres e de cativeiro e causar doenças como a coccidiose, letal para galinhas domésticas. Paleontólogos e parasitologistas brasileiros descobriram, por meio de análises de fezes fossilizadas (chamadas de coprólitos), que aves foram infectadas com parasitas similares aos de hoje entre 34 milhões e 23 milhões de anos atrás na região onde agora é Tremembé, em São Paulo, conforme mostrou um artigo publicado em abril na revista International Journal of Paleopathology.
Nesse período, parte do Oligoceno, a região onde agora é o Vale do Paraíba era ocupada por grandes mamíferos (Pyrotheria), parecidos com as antas atuais e os hipopótamos (Notoungulata), e animais menores como roedores, morcegos, cobras, sapos, peixes e aves. No mesmo ambiente, invisíveis a olho nu, estavam parasitas como os protozoários. Todos eles habitavam os entornos ou as águas de um lago, que alternava entre momentos de seca e cheia a depender do clima.
Quando esses animais morriam ou defecavam, os materiais orgânicos sobre o solo argiloso eram, por vezes, cobertos de novas camadas do mesmo sedimento, que após milhões de anos viravam rochas. Nas condições adequadas, como falta de oxigênio e movimentação do solo, alguns dos restos biológicos se fossilizavam. Os pesquisadores usaram microscópios, líquidos levemente salinizados e gotas de glicerina para analisar as amostras, e conseguiram identificar uma boa quantidade de microrganismos. “Encontramos 13 tipos morfológicos diferentes, eu nunca esperaria achar essa quantidade em um material paleontológico”, lembra o paleoparasitologista Gustavo do Carmo, que realizou a pesquisa como parte de seu mestrado na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e atualmente faz doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A bacia de Taubaté, onde fica a formação Tremembé, foi descoberta na primeira metade do século XIX e o trabalho de Carmo foi o primeiro a estudar parasitas do passado nos fósseis da bacia de Taubaté.Esses microrganismos, como alguns da família Eimeriidae, ainda causam problemas de saúde em animais. “Aqueles do gênero Eimeria infectam aves de todas as ordens e podem causar coccidiose; já os do gênero Isospora são conhecidos por infectar pássaros de gaiola e ajudam a entender a ecologia daqueles que estão em ambientes silvestres”, relata o biólogo Bruno Berto, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), coautor do artigo. “As amebas são as que têm registro menos frequente em aves.”
Por essa relevância atual, o estudo é observado com atenção por veterinários. “Identificar parasitas com determinadas características em aves ancestrais e analisar como eles se encaixam na evolução pode ajudar no diagnóstico em laboratórios e tratamentos hoje em dia”, defende Berto.A reportagem acima foi publicada com o título “Parasitas do Oligoceno” na edição impressa nº 343, de setembro de 2024.
Artigo científico
CARMO, G. M. et al. . International Journal of Paleopathology. v. 45. 23 abr. 2024.