Estudo revela como o coronavírus manipula as células para se replicar
Estudo descreveu como uma proteína humana interage com uma proteína do SARS-CoV-2. Entender os mecanismos de replicação do vírus pode facilitar a criação de tratamentos contra a Covid-19
Texto: André Julião, da Agência FAPESP
Em estudo publicado na revista Frontiers in Cellular and Infection Microbiology, um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade de São Paulo (USP) descreveu como uma proteína humana interage com uma proteína do SARS-CoV-2, demonstrando um dos mecanismos usados pelo vírus causador da Covid-19 para recrutar as células e se replicar.
Em testes in vitro, os pesquisadores conseguiram inibir a interação entre as moléculas usando um fármaco e, com isso, reduziram a replicação viral entre 15% e 20%. Com o resultado, o grupo espera contribuir com o desenvolvimento de terapias contra a Covid-19.
“A proteína humana conhecida como PCNA [sigla para Proliferating Cell Nuclear Antigen] interage com a proteína M [matriz] do SARS-CoV-2, uma das moléculas que compõem a membrana do vírus e dão forma a ele. A descoberta em si mostra uma das maneiras pelas quais o patógeno manipula a função da célula para poder seguir seu ciclo de vida”, explica Fernando Moreira Simabuco, professor da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira, que coordenou o estudo apoiado pela FAPESP.
Em laboratório, o grupo utilizou diferentes técnicas para mostrar como a presença da proteína M do vírus no organismo faz com que a PCNA, uma proteína envolvida no reparo do DNA, migre do núcleo das células – onde ela normalmente se encontra – para o citoplasma, região onde ficam as organelas, responsáveis por importantes funções celulares.
Segundo os pesquisadores, essa migração demonstra que as proteínas viral e humana estão interagindo entre si, o que foi corroborado por outras metodologias.
Outra forma de verificar o fenômeno foi usando um composto que é inibidor da migração de proteínas do núcleo para o citoplasma. Tanto em células tratadas com um composto específico para a PCNA quanto com esse outro que inibe a migração de diferentes proteínas, incluindo a PCNA, o coronavírus teve uma replicação entre 15% e 20% menor quando comparado aos que estavam em células sem tratamento algum.
“Se estivéssemos pensando em uma terapia, talvez essa redução não fosse significativa. Porém, o principal objetivo era demonstrar essa interação e que ela pode ser um alvo para futuros tratamentos”, diz Simabuco.
Em colaboração com pesquisadores do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP, foram analisadas ainda amostras de tecido pulmonar obtidas durante autópsias de pacientes mortos pela Covid-19 (leia mais em: agencia.fapesp.br/32882/).
Foi observado um aumento da expressão tanto da proteína PCNA como de gamaH2AX, proteína considerada um marcador de dano ao DNA, o que reforça os resultados.
“Esse dado pode indicar mais uma consequência da infecção pelo coronavírus”, diz Simabuco.
O trabalho tem como primeira autora Érika Pereira Zambalde, pós-doutoranda na FCA-Unicamp sob supervisão de Simabuco.