Estudo revela como estimulação cerebral ajuda no controle da epilepsia
Experimentos com roedores sugerem que a técnica promove uma reprogramação dos neurônios afetados pela doença, fazendo-os retornar ao estado normal
Pesquisadores da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) têm investigado, por meio de experimentos com animais, como a estimulação cerebral profunda (ECP) com alta frequência pode ajudar no controle da epilepsia – doença neurológica caracterizada por descargas elétricas anormais e excessivas no cérebro que são recorrentes, gerando convulsões. Resultados recentes foram na revista Brain Stimulation.
Coordenado pela professora , o estudo mostrou que a estimulação do núcleo anterior do tálamo por meio de eletrodos implantados na parte central do cérebro é capaz de suprimir as crises epilépticas em longo prazo ao aumentar a produção de adenosina – substância resultante do metabolismo energético das células e que tem um papel importante no processo de comunicação entre neurônios.
O artigo é fruto do projeto “Contribuição da adenosina para o papel antiepileptogênico da estimulação cerebral profunda no núcleo anterior do tálamo”, desenvolvido com o da FAPESP. A pesquisa continua agora, numa nova etapa, em parceria com a Universidade de Rutgers, nos Estados Unidos.
“Quando uma pessoa tem epilepsia, ela tem excesso de adenosina quinase [ADK] no cérebro. Essa enzima faz a metilação do DNA dos neurônios – uma modificação bioquímica [adição de um grupo metil à molécula] que altera a expressão dos genes. Basicamente, isso altera a função da célula e pode ser um dos fatores responsáveis pela geração das crises epilépticas. Então, quando observamos que aumentando a adenosina com a estimulação cerebral profunda ocorre uma redução da enzima adenosina quinase, notamos que há também uma redução dessas crises. Concluímos que é possível que esteja acontecendo uma espécie de reprogramação dos neurônios envolvidos nos circuitos epilépticos. Nossa hipótese é que, ao estimular o núcleo anterior do tálamo, o aumento da adenosina e a redução da adenosina quinase levam à atenuação e até remissão das crises em alguns casos, por atuar na transmetilação do DNA presente nas células desses circuitos cerebrais”, explica Covolan.
A hipótese que está sendo testada no modelo experimental, com os roedores, é que o tecido cerebral pode estar sofrendo modificações no DNA. “O efeito do tratamento das crises epilépticas com a estimulação cerebral profunda tem caráter de melhora progressiva, ou seja, as crises vão sendo reduzidas ao longo do tratamento. Elas não cessam abruptamente. Isso indica que a adenosina pode estar atuando para além da simples ligação com os seus receptores, em diversos outros mecanismos. Um deles, por exemplo, seria a estabilização do potencial elétrico das membranas neuronais. Esse é um mecanismo que nós ainda temos de investigar melhor, mas há um forte indício de que possa estar acontecendo”, destaca.
Conforme Covolan, a descoberta é importante porque, em longo prazo, pode ajudar a desenvolver tratamentos menos invasivos para os pacientes que não têm indicação para cirurgia.
“Entendemos que esse mecanismo da adenosina funciona como se estivéssemos ensinando a célula a voltar ao normal. Se estivermos certos, poderemos, por exemplo, começar a pensar em estratégias e tratamentos para a epilepsia em si e não apenas para a redução das crises, como vínhamos fazendo até aqui”, explica a pesquisadora à Agência FAPESP.
A epilepsia atinge atualmente mais de 50 milhões de pessoas no mundo e cerca de 3 milhões de brasileiros, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Cerca de 70% dos casos são controlados com o uso de medicamentos adequados, entretanto, 30% não respondem à medicação e para eles há poucas alternativas, entre elas a cirurgia de ressecção, que envolve a retirada da região do cérebro em que as crises epilépticas acontecem. Quando essa área está bem definida no paciente, a probabilidade de controle no longo prazo é razoavelmente alta. Contudo, nem sempre isso acontece. Em alguns pacientes, não é possível saber onde as crises começam ou, mesmo que se saiba, às vezes não é possível obter sucesso com essa técnica.
É por isso que o grupo da Unifesp tenta, por meio dos experimentos com roedores, entender como seria possível abrir outras frentes de tratamento para a epilepsia, especialmente a de lobo temporal, que acomete 30% das pessoas com a doença.
A cirurgia para o implante dos eletrodos que fazem a estimulação cerebral profunda foi recentemente aprovada nos Estados Unidos e no Brasil como uma opção de tratamento alternativo para os pacientes que já não respondem ao tratamento medicamentoso. Apesar dos estudos clínicos mostrarem que um número expressivo deles apresenta redução das crises, o mecanismo de ação ainda é pouco estudado.
“Em 2010, um achado clínico importante de um outro grupo de pesquisadores mostrou que os pacientes epilépticos que passavam por essa cirurgia e tinham eletrodos implantados no núcleo anterior do tálamo apresentavam redução progressiva das crises ao longo dos anos de estimulação. Muitos apresentavam reversão total do quadro entre dois e cinco anos de tratamento, com uma melhora significante na qualidade de vida, mas ainda faltava entender como e por que isso estava acontecendo”, ressalta.