Estudo mostra como cheiros podem influenciar a percepção visual de emoções
Odores influenciam a forma como julgamos as emoções de outras pessoas – mesmo que o afetado pelo odor não tenha consciência de sua presença
Texto: Ricardo Muniz, da Agência FAPESP
Cheiros influenciam a habilidade humana de perceber visualmente e julgar corretamente as emoções de outras pessoas – mesmo que o afetado pelo odor não tenha consciência de sua presença. Fruto da pesquisa de mestrado de Matheus Henrique Ferreira, atualmente doutorando do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP), um artigo com medições detalhadas desse efeito foi publicado na revista PLOS ONE.
“Se estou submetida a um cheiro agradável, minha percepção da emoção agradável melhora”, diz Mirella Gualtieri, doutora em neurociências e comportamento e professora de psicologia experimental do IP-USP. “O mesmo acontece com os odores desagradáveis, que aprimoram o discernimento de medo e nojo”, explica a cientista, orientadora de Ferreira.
A equipe de pesquisa partiu da premissa de que o estímulo de cheiro tem a característica peculiar de quase sempre estar conectado a um julgamento de agradabilidade. “Podemos ser confrontados com muitas cenas visuais e não necessariamente vamos classificá-las como algo que gostamos ou não de ver, mas frequentemente a única coisa que um indivíduo consegue descrever sobre um determinado cheiro é se é gostoso ou ruim”, afirma Gualtieri, que desenvolve pesquisa aplicada em psicologia sensorial.
Usando essa premissa, o grupo detalhou seu desenho experimental com o objetivo de avaliar como estar submetida a um ambiente em que existe um cheiro agradável ou desagradável pode afetar a forma como uma pessoa avalia as emoções que vê nas outras. Gualtieri ressalva que não se trata de um experimento inédito: “Avaliação de expressões emocionais nas faces das pessoas é uma coisa bem antiga, o que a gente tem de interessante, e poucos estudos têm isso, é que não utilizamos expressões de emoções muito fortes. O pessoal nessa área geralmente trabalha com feições que não são muito comuns no dia a dia. Alegria, tristeza, raiva são retratadas de modo quase estereotipado ou caricatural e não é assim que a gente transmite emoções no cotidiano”.
No experimento foram usadas imagens que retratavam um gradual de emoções. Rostos caricaturais, que expressavam, por exemplo, alegria ou tristeza extremas (classificados como gradiente 100%), foram misturados com uma face neutra. Assim, foram criadas gradações de 10% em 10% de um determinado conteúdo emocional (ver figura A). Em seguida, o grupo acompanhou como as pessoas avaliavam ou julgavam aquela emoção. Os voluntários olhavam para o rosto no desenho e diziam se ele expressava alegria, tristeza, raiva, nojo ou medo.
“Observamos o quanto de intensidade dessa expressão seria o mínimo para a pessoa começar a acertar a emoção que estava ali presente – sabemos que não precisa de 100%, mas queríamos saber qual era o valor mínimo –, e vimos que ficava geralmente em torno de 20% a 30% do teor total daquela emoção”, conta Gualtieri.
Determinado o limiar de intensidade de uma emoção que as pessoas precisavam para discriminá-la, foi avaliada a velocidade (tempo de reação) com que faziam esse julgamento. Por fim, foi observado como tudo isso poderia ser modificado com a presença de cheiros ruins ou bons.
“Nossa contribuição é mostrar como esse efeito entre as modalidades sensoriais acontece. Temos os nossos cinco sentidos, mas para que a gente se adapte ao meio, se comunique e consiga viver, é preciso que esses sentidos estejam interagindo. O que a gente mostra neste artigo é um exemplo de como isso pode acontecer”, diz Gualtieri. “A presença de um cheiro – e eu nem preciso necessariamente estar consciente de que ele está ali – vai afetar o meu processamento visual e o modo que eu atribuo emoções para o estímulo visual.”