Estudo avança na identificação de compostos que ativam proteína-chave para a ‘reciclagem celular’
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Uma etapa importante da pesquisa em química medicinal é encontrar moléculas que interajam diretamente com proteínas-alvo de forma potente e inequívoca, provocando uma cadeia de reações nas células. Este é um dos primeiros passos do processo de desenvolvimento de fármacos. Mas encontrar uma boa molécula não é suficiente, como destaca recentemente publicado na revista ChemBioChem. É de fundamental importância verificar se ela é um enantiômero, ou seja, se existem outras versões espelhadas da molécula, seja no plano horizontal, vertical ou em ambos.
Quando o objetivo da pesquisa é buscar um composto capaz de interagir com a proteína existente na membrana do lisossomo, a TRPML1, o sucesso vai depender de qual versão da molécula está interagindo com esse alvo. Como demonstram os autores do artigo, essa informação otimiza a busca do melhor composto para estudar a proteína-alvo envolvida na reciclagem celular e cujo mau funcionamento está relacionado a doenças (leia mais em: ).
Os autores já sabiam que a molécula ML-SA1 (sigla em inglês para agonista sintético de mucolipina 1) era capaz de interagir com a proteína de membrana para ativá-la. “Notamos que apenas parte das moléculas conseguia interagir e ativar com sucesso a proteína-alvo”, explica , de pós-doutorado da FAPESP. A resposta veio após os pesquisadores estabelecerem um protocolo de separação dos enantiômeros S e R da ML-SA1 e constatarem que apenas um deles tem efeito na proteína, ainda que ambos compartilhem a mesma estrutura e o mesmo número de átomos.
Tal informação é de extrema importância para os estudos baseados em alvo, pois revela que parte das moléculas usadas para ativar a TRPML1 está na verdade competindo pelo espaço de encaixe na proteína com as moléculas que realmente a ativam. Quando a forma S é testada isoladamente, a ativação é dez vezes maior do que o composto em mistura, enquanto a forma R não apresenta atividade. Segundo os resultados obtidos pelos pesquisadores, o enantiômero (R)-ML-SA1 se liga no mesmo local que o S, porém sem efeito. Seria como tentar vestir um calçado esquerdo no pé direito.
Separação das moléculas
Antes de testar as moléculas do tipo S e R isoladamente, foi preciso separá-las. Bruno Amaral, pesquisador do Centro de Química Medicinal () da Unicamp, trabalhou na separação dos enantiômeros utilizados na pesquisa e explica que foi necessário estabelecer um novo protocolo, testando diferentes temperaturas, colunas de cromatografia e solventes.
A colaboração com a professora , do Núcleo de Pesquisa em Cromatografia da UFSCar, possibilitou o desenvolvimento desse protocolo. “Conseguimos separar as moléculas em baixas temperaturas e usando etanol como solvente, o que torna o processo mais sustentável, pois não usa substâncias tóxicas ou que gerem descartes perigosos”, afirma Amaral.
Depois de separadas, os pesquisadores definiram qual era a versão S e R. “Quando eu consegui uma boa separação, só sabíamos que eram formas diferentes, mas não era possível identificar qual era a S e qual era a R por ser uma separação inédita e não haver informações suficientes na literatura para comparar”, explica. “Cruzamos dados teóricos e experimentais para identificar os enantiômeros e a colaboração do professor , da Unifesp, foi fundamental”, conta.
“As colaborações com diferentes universidades e laboratórios são fundamentais para conseguirmos avançar com a ciência de forma complementar”, comenta , pesquisadora do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG-Unicamp) e coordenadora do estudo.
Apesar da boa permeabilidade e solubilidade adequada, a molécula ML-SA1(S) apresenta baixa estabilidade para ser usada como um medicamento para induzir a autofagia, suas aplicações atualmente se restringem ao campo das pesquisas. No entanto, os novos resultados apresentados sobre ela podem fornecer informações relevantes para o desenvolvimento de medicamentos estáveis, que sirvam para induzir o processo de autofagia em seres humanos. Fármacos para essa finalidade apresentam grande potencial terapêutico e econômico.
Iguais, mas diferentes
Enantiômeros são moléculas com a mesma estrutura e o mesmo número de átomos, porém, desviam o plano da luz polarizada para lados diferentes. Essa diferença é fundamental do ponto de vista químico e tem efeitos relevantes no funcionamento celular. Eles já são conhecidos pela ciência desde meados do século 19 e suas aplicações já são exploradas pela indústria farmacêutica e alimentícia.O aspartame, um dos adoçantes alimentícios mais populares, pode apresentar quatro enantiômeros em sua conformação final (S,S), (S,R), (R,R) e (R,S), mas apenas a forma (S,S)-aspartame possui sabor adocicado. O limoneno é outro exemplo de como diferentes enantiômeros podem atuar. Este terpeno é naturalmente produzido por várias plantas, mas seu cheiro é determinado por sua conformação enantiomérica. Enquanto o (R)-limoneno possui odor de laranja, o (S)-limoneno apresenta odor de pinho.
Um trágico exemplo envolvendo enantiômeros foi o caso do medicamento talidomida. Em sua forma (R), a talidomida atua como um sedativo e por um tempo foi amplamente receitada para tratar enjoos de gestantes. O problema é que a forma (S) causa malformação e até mesmo a morte de fetos se ingerida durante a gestação, o que só foi descoberto depois de muitas vítimas já terem sofrido as consequências. O caso da talidomida demonstra a importância de se avaliar cuidadosamente as diferenças funcionais e toxicológicas dos enantiômeros presentes nos compostos antes de serem comercializados como medicamentos.
A pesquisa agora publicada recebeu financiamento da FAPESP por meio de outros três projetos (, e ). Também teve apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Núcleo de Computação Científica da Universidade Estadual Paulista (NCC/Grid-Unesp).
O artigo (S)-ML-SA1 Activates Autophagy via TRPML1-TFEB Pathway pode ser lido em: .
* Com informações do CQMED.