Esta máscara de ouro milenar foi pintada com sangue humano
Uma equipe de pesquisadores investigou a pintura de uma máscara de ouro de mil anos retirada de uma tumba Sicán, povo que viveu no oeste do Peru. Eles ficaram intrigados ao descobrir que a tinta vermelha brilhante continha sangue humano.
O pigmento que deu a cor à tinta foi identificado como cinábrio há mais de 30 anos, mas o aglutinante — a substância que faz o pigmento se espalhar e aderir à superfície — permaneceu um mistério. A equipe interdisciplinar pegou uma amostra da tinta e analisou suas proteínas. Eles descobriram proteínas de ovo de pássaro e sangue humano, bem como saliva humana, queratina e pele. A pesquisa foi no mês passado na revista científica Journal of Proteome Research.
“As proteínas do sangue apareceram na primeira busca. Isso levou a uma busca da amostra no banco de dados sanguíneos, que rendeu uma comparação com o sangue do chimpanzé (Pan troglodytes)”, disse Luciana Carvalho, arqueóloga da Universidade de Oxford com especialização em resíduos orgânicos em objetos de metal, em um e-mail para o Gizmodo US. “Como os chimpanzés não são encontrados no Peru, realizamos uma pesquisa no banco de dados de proteínas do sangue humano, que forneceu combinações perfeitas.”
As proteínas da saliva, pele e queratina (que aparece principalmente no cabelo e unha) foram eliminadas das análises da equipe, pois podem ter sido contaminadas depois do manuseio da máscara.
A ave da qual foi retirada a proteína do ovo é desconhecida, uma vez que as amostras estão muito degradadas. Mas os pesquisadores acreditam que elas podem ser de pato-do-mato (Cairina moschata). Embora alguns ossos de galinha na América do Sul sejam anteriores à chegada dos europeus, o consenso geral é que a troca colombiana trouxe o frango para as Américas.
Máscaras funerárias de ouro eram utilizadas em enterros de membros da elite de Sicán, embora, como escrevem os pesquisadores, achados mais antigos (muitas vezes saqueados) tenham sido limpos de forma descuidada, ou mesmo tiveram sua pintura e adornos removidos para sua apresentação em museus. Como resultado, a máscara de Sicán no estudo é uma ocasião rara para estudar como essas máscaras teriam realmente sido tratadas para o enterro.
As tintas à base de cinábrio teriam sido reservadas para as elites da comunidade, enquanto as pessoas comuns provavelmente usaram ocres, escreveram os pesquisadores. A autora do estudo, Izumi Shimada, arqueóloga da Universidade do Sul de Illinois que se especializou na cultura Sicán, propõe que o sangue na máscara indica que a tinta deveria representar a “força vital”, uma ideia apoiada pela importância simbólica do sangue entre os Sicán. A análise de vítimas de sacrifício humano na região sugeriu que os indivíduos foram cortados para maximizar o sangramento, ao invés de apenas mortos, de acordo com Carvalho.
“Existem alguns documentos escritos por espanhóis (datando do século 16. Observe que não havia nenhum escrito como o conhecemos nos Andes pré-hispânicos) que registrou mitos pré-hispânicos que contam que as elites se originaram de estrelas ou ovos que foram diferente daqueles dos plebeus — que eles tinham uma origem totalmente distinta”, disse a arqueóloga.
“É bem provável que as elites de Sicán (assim como as elites em muitas outras culturas antigas) tenham promulgado uma visão/mito que as distinguia do resto da sociedade e, assim, legitimava seu poder, riqueza etc.”, acrescentou Carvalho. “Assim, podemos pensar no uso do sangue humano como uma extensão do dogma religioso que a elite Sicán divulgou para que eles pudessem alcançar a transformação para se tornarem ancestrais divinos.”
A máscara Sicán foi encontrada invertida, ao lado dos restos mortais de duas mulheres adultas em posições de parto e parteira, o que “sugere que o efeito desejado foi o renascimento do líder falecido”, escreveram os pesquisadores. Também no túmulo estavam os restos mortais de duas crianças em posições agachadas.