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Engenharia agrícola: uma forma vibrante de controlar percevejos

Aparelho que simula as vibrações emitidas pelo inseto poderá ser usado para monitorar sua presença em lavouras de soja e milho

Uma forma vibrante de controlar percevejos

Texto: Felipe Floresti / Carlos Fioravanti /

Uma das mais recentes inovações para combater uma importante praga da agricultura – o percevejo-marrom-da-soja (Euschistus heros) – lembra a placa de circuito impresso de um computador, com chips e dispositivos redondos e quadrados que só os conhecedores de eletrônica sabem nomear. O aparelho transmite a superfícies sólidas, como plantas de soja e armadilhas de monitoramento de insetos, vibrações de baixa frequência, de 60 a 130 hertz (Hz), as mesmas que os percevejos usam ao se comunicar. Em provas no campo, o protótipo elaborado na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen), do Distrito Federal, e na Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) mostrou que pode atrair os insetos.

Ao sugar as folhas ou os grãos de soja e milho, esses animais, com 12 a 15 milímetros (mm) de comprimento, causam perdas aos produtores rurais. A redução de danos implica, primeiramente, monitorar a quantidade de insetos na lavoura. Isso é feito recorrendo a um método chamado pano de batida, que consiste em posicionar um tecido branco com cerca de 1 metro quadrado (m2) no solo entre duas linhas de cultivo. Em seguida, agitam-se por alguns instantes as plantas das duas fileiras de forma que os percevejos caiam no tecido. A partir da contagem manual do número de insetos capturados, é feita uma estimativa da população. Bastam que dois percevejos, em média, caiam no pano para saber que é hora de controlar a população, o que geralmente se faz com inseticidas. Uma aplicação por safra custa cerca de R$ 130 por hectare (ha) e, às vezes, é preciso fazer até três aplicações. Na safra de 2022/2023, o cultivo de milho ocupou 21 milhões de ha e o de soja quase 45 milhões – 1 ha equivale a 10 mil m2. “Nossa ideia é incorporar o aparelho a uma armadilha que captura os insetos e é usada para fazer seu monitoramento populacional. Também podemos instalar nela sensores que identifiquem e contabilizem os indivíduos capturados”, explica o biólogo Raúl Laumann, do Cenargen, um dos responsáveis pela inovação. “Assim, poderemos automatizar a detecção dos percevejos e enviar informações em tempo real para o produtor, mostrando as áreas que merecem mais cuidados. Isso permitiria tomar melhores decisões sobre quando e qual técnica de controle deve ser utilizada”, complementa. Essa estratégia, segundo Laumann, pode se somar a outras, como a que adota feromônios, compostos químicos voláteis, que se espalham no ar e facilitam a comunicação entre animais da mesma espécie. Eles são usados pelos insetos na atração de parceiros para o acasalamento, demarcação de território ou como alerta em situações de perigo.

No início dos anos 1990, o biólogo Miguel Borges, também do Cenargen, isolou e sintetizou o metil 2,6,10 trimetil tridecanoato, princípio ativo do feromônio de E. heros. Quando aplicados em armadilhas instaladas nas lavouras, esses feromônios sintéticos podem ser úteis para a captura, identificação, monitoramento ou controle populacional dos insetos. A substância os confunde e engana: quando identificam o cheiro do macho, as fêmeas são atraídas e caem na armadilha ().

“O feromônio age a longa distância, em um raio de cerca de 100 metros [m], enquanto em distâncias menores a comunicação se dá principalmente por vibrações”, observa Laumann. Produzidas pelo movimento de estruturas rígidas do abdômen chamadas escleritos e transmitidas pelas patas, as vibrações podem viajar 2 m pelas plantas até serem captadas por receptores das patas de outros percevejos. Há muito tempo se sabe que insetos se comunicam por meio de sinais sonoros. A partir dos anos 1980, cientistas de vários países demonstraram que o uso de vibrações propagadas em substratos sólidos também é uma forma comum de comunicação entre insetos. No caso dos percevejos, os sinais vibratórios estão envolvidos na atração a curta distância.

Além do percevejo-marrom-da-soja, a equipe do Cenargen estudou outras espécies, entre elas o percevejo-pequeno-verde-da-soja (Piezodorus guildinii), o percevejo-do-trigo (Thyanta perditor) e o percevejo-verde (Chinavia impicticornis). O grupo verificou que cada espécie tem um repertório de sinais característicos, como detalhado em um artigo de 2005 na , feito em colaboração com o biólogo Andrej Čokl, do Instituto Nacional de Biologia, em Liubliana, a capital da Eslovênia.

Protótipo do dispositivo que transmite sinais vibracionais de percevejos conectado a uma muda de feijão. Imagem: Diego Bresani

Outros estudos foram feitos pelos grupos brasileiro e esloveno. Em um deles, os cientistas examinaram as vibrações de E. heros e concluíram que elas apresentam semelhanças com as de percevejos europeus, também considerados uma ameaça à lavoura. Todos vibram em frequências entre 60 e 130 Hz, com uma média de 100 Hz, mas se diferenciam pela duração e forma com que os sinais se repetem.

Em outro trabalho conjunto, cujos resultados foram publicados em 2018 na , os pesquisadores demonstraram como os sinais artificiais poderiam interferir no comportamento reprodutivo de E. heros. Em um experimento de longo prazo, no qual os insetos foram submetidos em laboratório a vibrações por 24 horas, a frequência de acasalamento foi reduzida em 24,7% quando comparada com o grupo de controle. “Fêmeas expostas ao ruído de fundo reduziram a fecundidade e a fertilidade”, anotaram os autores do estudo.

Resistência a inseticidas

Em 2012, após assistir a uma palestra da equipe do Cenargen que abordou esse tema, um estudante de mestrado da Unemat resolveu dedicar-se ao projeto de um dispositivo que reproduzisse artificialmente os sinais emitidos pelos insetos. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat) aprovou a proposta, mas depois o rapaz desistiu do curso. “Fiquei com um projeto aprovado em meu nome, como pesquisador responsável, e a missão de desenvolver um aparelho eletromecânico capaz de reproduzir os sinais vibracionais do percevejo, de modo que o inseto o entendesse como um sinal natural”, conta o engenheiro agrícola Tadeu Miranda de Queiroz, da Unemat, que havia se prontificado a orientar e, por fim, assumiu o trabalho. “Coube à equipe da Unemat desenvolver softwares e hardwares que, juntos, fossem capazes de gravar, armazenar e reproduzir os sinais vibracionais dos insetos”, recorda-se Queiroz, que tem experiência no desenvolvimento de sistemas automáticos para a agricultura. “Parte importante do desafio foi achar um meio físico [eletromecânico] de geração dos sinais vibracionais a partir dos arquivos originais da coletânea de cantos de percevejos do Cenargen”, destaca o pesquisador da Unemat. O conjunto formado por software, hardware e dispositivo eletromecânico foi submetido à solicitação de patente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). “O aparelho, compacto, acessível e portátil, reproduz a frequência, amplitude e potência adequada das vibrações. É um primeiro protótipo, com um leque variado de aplicações no campo, mas que ainda demanda algum desenvolvimento”, reconhece Laumann. A Embrapa busca no momento um parceiro para finalizar o aparelho e levá-la ao mercado. “Essas tecnologias têm potencial de se tornarem muito importantes para o controle e manejo dos percevejos e valem o investimento”, comenta o engenheiro-agrônomo Raul Guedes, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), que não participou das pesquisas. “A carga de agrotóxicos na soja para o controle de percevejos é alta, com gasto elevado para os produtores e riscos para o ambiente e a saúde humana. Além disso, muitas espécies de percevejos estão apresentando resistência aos inseticidas.” O caminho da invenção até o campo, porém, pode ser longo. Em 2016, o feromônio do percevejo foi patenteado e licenciado pela Embrapa para a Isca Tecnologias, uma empresa de bioinseticidas, visando o desenvolvimento de uma armadilha. O presidente da Isca Latam, Leandro Mafra, informa que o desenvolvimento do produto já foi concluído e estão trabalhando as questões legais, regulatórias, industriais e comerciais para viabilizar o lançamento. Não há previsão de quando o processo será concluído.
Aspirador de insetos criado pelo fazendeiro australiano Brendon Hoyle. Imagem: Ashbern Farms
Urina bovina e aspirador de insetos
Soluções pouco convencionais podem ajudar a livrar a lavoura de ameaçasEnquanto as armadilhas com feromônios e os dispositivos eletrônicos não chegam, os agricultores que quiserem reduzir o uso de inseticidas podem contar com alternativas mais simples para monitorar e, eventualmente, controlar a presença de percevejos em suas plantações de soja. Uma delas, desenvolvida pela Embrapa Soja, consiste no uso de armadilhas preparadas com uma garrafa plástica preenchida com uma solução de urina bovina e sal de cozinha (cloreto de sódio). A proporção recomendada é de 3 litros (L) de urina e 500 gramas de sal dissolvidos em 7 L de água – a urina é coletada diretamente das vacas, que são estimuladas por uma massagem perivulvar. As armadilhas devem ser fixadas em estacas e colocadas na borda ou no interior da lavoura de soja, a cada 30 a 50 metros. Atraídos pelo cheiro, os insetos caem no líquido e morrem.Na Austrália, o fazendeiro Brendon Hoyle, para manter seu cultivo de morangos sem inseticidas e sem moscas-da-fruta, usou um aspirador de insetos de porte industrial, rebocado por um trator, similar ao que havia visto nos Estados Unidos. Sua versão usa três grandes aspiradores, instalados dentro de barris, que passam por cima dos canteiros de morangos e sugam os insetos aderidos às folhas, sem danificar a planta. As moscas-da-fruta aspiradas são esmagadas em uma grade que cobre a parte superior de cada barril onde ficam os aspiradores. Em dois anos, a quantidade de moscas-da-fruta caiu entre 75%e 90%. Em 2022, por sua invenção,Hoyle ganhou o prêmio de Agricultor do Ano pela Indústria Orgânica Australiana.

A reportagem acima foi publicada com o título “Como enganar percevejos” na edição impressa de agosto de 2024.

Artigos científicos
MORAES, M. C. B. et al. . Physiological Entomology. v. 30, p. 175-88. mai. 2005.
LAUMANN, R. A. et al. . Journal of Pest Science. v. 91, p. 995-1004. 20 fev. 2018.

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