Drogas ilícitas versus drogas medicinais: como essa divisão passou a existir?
Eu encontrei o primeiro indício dessa obsessão Iluminista nos diários do maior rival de Newton, o briguento porém brilhante . Num dia de outono de 1689, Hooke entrou num café londrino para comprar uma amostra de cannabis de um comerciante da Companhia das Índias Orientais que havia se tornado um aficcionado pela planta. Hooke testou os efeitos da droga em um anônimo e informou que ela deixou o paciente “incapaz de dizer uma só palavra que fizesse sentido”. Apesar disso, o veredito foi bom: o consumidor não estava “tonto ou bêbado” e parecia “muito feliz”, sorrindo, dançando e fazendo “vários truques estranhos”. Hooke disse aos seus companheiros membros da que a cannabis era um sonífero valioso e que poderia até mesmo “ser considerada para o uso em lunáticos”. Ele previu que os comerciantes de Londres poderiam fazer fortuna vendendo a erva.
Em outras palavras, os mesmos novos efeitos sensoriais que fizeram substâncias como o tabaco, ópio e maconha desejáveis para consumidores globais também os tornaram fascinantes para os primeiros cientistas experimentais. Mas o que fez com que essas drogas se tornassem más – para eles e para nós? Como a dicotomia entre “droga ilícita” e “medicina valiosa” passou a existir?Até mesmo os humildes grãos de café (do Iêmen e da Etiópia) e as folhas de chá eram considerados medicamentos exóticos naquela época. O doutor Cornelis Bontekoe, um médico a serviço do braço holandês da Companhia das Índias Orientais, recomendava em seu Tractaat (1679) que duas xícaras de chá por dia eram ideais para uma boa saúde. Outro médico escreveu sobre sobre os chineses que o chá “os liberta de todos os males que o uso imoderado de vinho causou em nós”. Mas para a Europa Cristã, as virtudes medicinais de “drogas” estrangeiras como o café, o chá, o ópio e a eram contrabalanceadas por suas origens em terras pagãs.
O Rei da Inglaterra se juntou ao coro de vozes que atacava as “drogas indianas” como pouco saudáveis e não-cristãs. O Rei James escreveu o (1604) uma diatribe fantasticamente violenta contra o “costume sujo” de fumar, culpando-o por “infectar o ar” nas mesas de jantar espalhadas pelo reino — para não mencionar que o fumo forçava as esposas dos fumantes ao “tormento perpétuo do fedor”. James considerava o tabagismo um costume demoníaco das culturas xamânicas do Novo Mundo, evocando “a horrível fumaça do vinda de uma cova sem fundo”. Em outras palavras: para ele, os cigarros tinham o cheiro do inferno.James não estava sozinho em sua demonização das drogas. Os inquisidores da Cidade do México retrataram usuários indígenas de como feiticeiros, e os sacerdotes jesuítas nas profundezas da selva amazônica enviavam relatórios preocupados sobre uma planta chamada , que permitia que os xamãs adquirissem conhecimentos advindos dos maus espíritos. Mesmo os grãos de café provocavam polêmicas sobre o “licor estrangeiro” que “enfeitiçava” os consumidores causando enfraquecimento, impotência e coisas piores.
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