Principal causa de mortes no mundo, as doenças cardiovasculares, principalmente infartos do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais (AVC), provocam 17 milhões de óbitos anualmente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, por volta de 400 mil pessoas morrem por ano em decorrência dessas enfermidades. O rápido diagnóstico de pacientes que apresentam sintomas de infarto e AVC é um fator crucial para salvar vidas ou evitar sequelas.
Pesquisador insere solução no biossensor, tendo ao fundo protótipo do aparelho para medição de troponinaLéo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP
Essa foi a motivação dos pesquisadores da healthtech Cor.Sync, nascida em Curitiba e hoje sediada em São Paulo, para desenvolver uma ferramenta tecnológica capaz de medir em menos de 10 minutos o nível de troponina cardíaca, o principal biomarcador de infarto – healthtech é uma empresa de base tecnológica da área da saúde. Com os recursos hoje disponíveis, os médicos podem levar até quatro horas para ter o resultado desse exame. O desenvolvimento da solução, em fase final de validação clínica, teve apoio da FAPESP por meio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe).
“Nosso método utiliza biossensores de alta especificidade para medir no sangue do paciente a concentração de troponina cardíaca”, explica o engenheiro biomédico Raul de Macedo, fundador e CEO da Cor.Sync. Além do método, a empresa também criou um dispositivo portátil point of care, ou seja, para ser usado no local do atendimento, que faz a rápida análise da amostra sanguínea.
“Os resultados quantitativos de troponina são apresentados em oito minutos na tela do aparelho e no prontuário eletrônico do paciente, ajudando o médico a identificar se houve mesmo infarto”, conta Macedo. Tanto a metodologia, comprovada em estudos de bancada, como o equipamento já tiveram pedidos de patente depositados no Brasil e no mundo.
A vantagem do teste rápido para troponina no ponto de atendimento é que a análise do sangue do paciente é feita no serviço de emergência do hospital, sem precisar ser enviado ao laboratório de análises clínicas da instituição. “Ganhamos minutos preciosos que podem fazer diferença nos cuidados com o paciente”, diz o cardiologista Attílio Galhardo, sócio da Cor.Sync e um dos integrantes da equipe que desenvolveu a solução.
O diagnóstico de infarto, diz ele, é feito a partir do histórico clínico do paciente e da análise de um eletrocardiograma (ECG), exame que avalia alterações miocárdicas resultantes de isquemia – a redução do fluxo sanguíneo no coração – ou necrose, assim como o ritmo dos batimentos cardíacos. O ECG, entretanto, não é sensível o suficiente para detectar graus pequenos ou de curta duração de lesão miocárdica. Quando disponível, o exame de sangue laboratorial para medição de troponina é considerado padrão ouro para diagnóstico de infarto.
“Quando o ECG não é conclusivo, o médico solicita o teste sanguíneo. Ocorre que, na maioria dos hospitais do país e em boa parte dos hospitais do mundo, o resultado desse exame leva entre duas e quatro horas para ficar pronto. Mesmo em unidades de referência o retorno raramente se dá em menos de uma hora. É tempo demais”, ressalta Galhardo. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), cerca de 50% das vítimas de infarto do miocárdio não apresentam alterações significativas no eletrocardiograma. “Para esses casos, a dosagem da troponina é essencial para o correto diagnóstico”, argumenta Galhardo.
Os testes laboratoriais para detecção da troponina cardíaca têm alta precisão, com coeficiente de variação de 7% do valor de referência – ou seja, se o valor real de troponina for 10 nanogramas por litro (ng/l), o sistema apresentará um valor entre 9,3 e 10,7 ng/l. Essa margem de erro é aceita pela comunidade médica. Por outro lado, são demorados e exigem manipulação da amostra por pessoal especializado. “O exame costuma levar 40 minutos na máquina, além do tempo de preparação da amostra e de deslocamento até o laboratório”, diz Macedo.
O empreendedor destaca que já há no mercado testes point of care comerciais de troponina, semelhantes ao projetado pela Cor.Sync. “Eles realizam a medição em poucos minutos, mas não têm a precisão desejada para diagnóstico. Por isso, são usados para triagem, exigindo um teste laboratorial para confirmação”, informa Macedo. “Nós conseguimos juntar a precisão diagnóstica dos exames laboratoriais padrão ouro com a rapidez e a praticidade do diagnóstico point of care.”
Para o cardiologista Pedro Ivo de Marqui Moraes, médico-assistente da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de cardiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), as metodologias point of care para análise de troponina são um grande avanço. “Para quem trabalha no setor de emergência ou em UTI é muito mais conveniente dispor de um dispositivo que processe o teste e entregue o resultado in loco em poucos minutos”, opina. “A metodologia laboratorial de quantificação da troponina é antiga e tem sido aprimorada nos últimos anos. Estamos numa fase de transição para os exames point of care.”
Ressonância plasmônica
O método criado pela Cor.Sync é baseado em um fenômeno físico conhecido como ressonância plasmônica de superfície. Ele se fundamenta na interação entre um feixe de laser e um biossensor composto por um nanofilme metálico, onde a amostra de sangue é depositada (). “Os testes comerciais point of care para troponina empregam outros métodos. A ressonância plasmônica, até onde sabemos, não é usada para diagnóstico, mas para monitorar a dinâmica de interação entre proteínas em outras situações. O que fizemos foi adaptar esse método para uma plataforma de diagnóstico”, esclarece Macedo.
A ideia de criar um dispositivo que tornasse mais rápido o diagnóstico de infarto nasceu em 2017, ano em que Macedo iniciou o mestrado em engenharia biomédica na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
“Pouco tempo antes, senti uma dor no peito e achei que estava sofrendo um infarto. Fui ao pronto-socorro e, felizmente, era só estresse. Mas me chamou a atenção a demora para ter o resultado do diagnóstico”, recorda-se.
Em 2019, o engenheiro decidiu criar a startup em Curitiba, cidade onde morava, a fim de desenvolver um aparelho comercial para rápida detecção de troponina. No ano seguinte, a Cor.Sync foi transferida para São Paulo e passou a ser incubada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec) da Universidade de São Paulo (USP). A atividade de pesquisa e desenvolvimento concentrou-se na capital paulista. “Percebi que a nossa solução era complexa demais e sem a ajuda de pesquisadores de referência seria difícil criar um produto comercial escalável [fabricado em grande quantidade]. Por isso, buscamos nos aproximar da USP e firmamos um acordo de cooperação com o SisNano USP, a rede de laboratórios de nanotecnologia da universidade”, conta.
“Fomos procurados pela Cor.Sync e estamos auxiliando no desenvolvimento do biossensor”, conta o químico Koiti Araki, coordenador do SisNano USP. “Temos interesse no projeto pela relevância do diagnóstico de doenças e porque o método é baseado em uma técnica nanotecnológica, a ressonância plasmônica de superfície. A vantagem dela é que permite a detecção de quantidades muito pequenas de moléculas, no caso a troponina, presentes na amostra de sangue.”
O método diagnóstico da healthtech já foi validado em bancada de laboratório. Durante o estudo, a metodologia apresentou um coeficiente de variação de 7%, semelhante ao dos exames-padrão de laboratório. A startup também concluiu o desenvolvimento do primeiro protótipo do aparelho point of care – uma segunda versão deve ficar pronta em outubro.
Arte: Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP
A fase final do desenvolvimento – um estudo com pacientes para validação clínica da metodologia – está programada para ocorrer ainda este ano. A startup está concluindo a negociação com um hospital de São Paulo para a realização de uma pesquisa com 600 voluntários – pessoas que chegam na emergência do hospital com suspeita de infarto. “Esperamos ter resultados até o fim do ano ou início do próximo para poder entrar com um pedido de autorização de uso do dispositivo na Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]. Tudo correndo bem, o produto poderá chegar ao mercado em 2023”, declara Galhardo.
Para desenvolver a solução, a Cor.Sync recebeu R$ 2,85 milhões de investidores privados e em recursos não reembolsáveis. Além do programa Pipe-FAPESP, a empresa teve apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), do Conecta Startup Brasil, iniciativa do governo federal de estímulo ao empreendedorismo, e do programa IA2, promovido pelo MCTI com apoio da Softex, organização de fomento à transformação digital.
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