Ciência

Dia Internacional da Mulher: conheça 5 pesquisadoras que marcaram a ciência brasileira e fizeram história no Butantan

Com descobertas relevantes nos campos da genética, biologia, imunologia e toxinologia, elas quebraram barreiras e mostraram, desde cedo, que as mulheres podem e devem ocupar o lugar que quiserem
Imagem: Unsplash/Reprodução

Reportagem: Natasha Pinelli/Instituto Butantan

Nos mais de 25 laboratórios do Instituto Butantan, onde a pesquisa e a inovação convergem, a produção de conhecimento depende de uma força vital que até pouco tempo ainda era subestimada: as mulheres cientistas. Muitas vezes ofuscadas por figuras masculinas, a verdade é que elas sempre estiveram na vanguarda da ciência, liderando estudos inovadores, desvendando o segredo das toxinas e buscando soluções para os mais diversos problemas da saúde pública.

Neste Dia Internacional da Mulher, o Portal do Butantan resgata as descobertas e revoluções proporcionadas por cinco cientistas notáveis, que não apenas serviram ao Instituto no passado, mas que também contribuíram para o avanço da ciência no Brasil. Jandyra, Gertrud, Maria, Olga e Maria Luiza: mulheres de excelência, que desafiaram estereótipos, transpuseram desafios e que seguem como verdadeiros faróis para as inúmeras cientistas que ainda estão por vir. A seguir, conheça cada uma delas:

1. Jandyra Planet do Amaral (1905-2010)

Jandyra Planet do Amaral durante a posse de Dorival da Fonseca Ribeiro (ao centro) como diretor do Instituto Butantan em 1951. Eles estavam acompanhados (da esquerda para direita) de Reynaldo Schwindt Furlanetto, Aristides Vallejo-Freire, José de Castro França, Flávio da Fonseca e Gastão Rosenfeld
Nascida em São Paulo no ano de 1905, é considerada uma das primeiras médicas brasileiras e, também, uma das precursoras na conquista do grau de doutora. Formada em 1931 pela atual Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), iniciou naquele mesmo ano como estagiária do Instituto Butantan, sendo a primeira mulher a integrar a área científica da organização.

Ocupou diversos cargos ao longo das mais de quatro décadas que dedicou à instituição – entre eles, os de assistente da Subseção de Soroterapia, chefe interina na Subseção de Aeróbicos, superintendente das Seções de Imunologia e Bacteriologia, chefe da Divisão de Bacteriologia e chefe da Seção de Herpetologia. Em 1968, assumiu a diretoria técnica e a presidência do Fundo de Pesquisa do Instituto Butantan, colocando a instituição em posição de destaque internacional durante seus quase sete anos de gestão. Além das posições técnico-administrativas, Jandyra desempenhou papel-chave no desenvolvimento de inúmeras pesquisas científicas, tendo contribuído para o controle de doenças como tuberculose, difteria, coqueluche, tétano, raiva, poliomielite e varíola. Em 1958, após uma temporada no Instituto Pasteur, em Paris, ela foi responsável por trazer ao Butantan a tecnologia para a produção da vacina BCG – área que, posteriormente, se tornou uma de suas principais linhas de pesquisa. Com mais de 30 artigos publicados, a pesquisadora também integrou inúmeras comissões e conselhos, reforçando sua importância para a ciência. Foi membro da Comissão Organizadora da Fundação para o Remédio Popular, do Grupo Executivo de Vacinações, da Comissão de Tecnologia Biomédica e tantos outros, até se aposentar aos 70 anos de idade.

2. Gertrud von Ubisch (1882-1965)

A botânia alemã conhecida como Gerta von Ubisch foi chefe da Seção de Genética do Instituto Butantan na década de 30 e ficou conhecida por trazer melhorias na produção de soros hiperimunes A botânia alemã conhecida como Gerta von Ubisch foi chefe da Seção de Genética do Instituto Butantan na década de 30 e ficou conhecida por trazer melhorias na produção de soros hiperimunes
Nascida na Alemanha em 1882, Gerta – como ficou conhecida – iniciou seus estudos em física, graduando-se doutora em 1911. Posteriormente, abandonou a área e enveredou pelos caminhos da botânica, trabalhando como assistente de Carl Correns (1864-1933), geneticista alemão que acumulou descobertas relevantes sobre os princípios da hereditariedade. Em 1921, conquistou a posição de assistente no Instituto de Botânica da Universidade de Heidelberg, uma das mais prestigiadas do país europeu. Lá, permaneceu por mais de uma década, sendo a primeira mulher da instituição a receber permissão para lecionar. Porém, em 1933, com a ascensão do regime nazista, a cientista teve seu contrato rescindido por conta de sua ascendência judaica, sendo obrigada a deixar a terra natal. Após passagens pela Suíça e Holanda, Gerta desembarcou no Brasil em 1935, aos 52 anos, onde assumiu o cargo de chefe da Seção de Genética do Instituto Butantan. Durante os anos que passou na instituição, fez melhorias na produção de soros hiperimunes, mais especificamente na seleção de cavalos e de forrageiras utilizadas para alimentação dos animais. Além disso, estudou uma possível substituição de equinos por preás na cadeia produtiva do produto.

A geneticista deixou o Butantan em 1938. Na época, disputas políticas culminaram no afastamento do então diretor, Afrânio do Amaral, assim como de todos os pesquisadores estrangeiros que trabalhavam na instituição. Apesar do trabalho de Gerta representar, de fato, a primeira página da história do Laboratório de Genética do Instituto Butantan, restaram poucos registros do período, conforme relatou um dos principais geneticistas brasileiros e também ex-diretor do Butantan, Willy Beçak (1932-2023), em material publicado nos . Aos 70 anos, Gerta retornou à Europa em situação de pobreza e passou boa parte dos seus últimos anos lutando para ser reconhecida como servidora pública e, assim, ter acesso aos seus direitos.

3. Maria Siqueira (1927-2015)

Maria Siqueira autou no Butantan em dois momentos e se tornou referência em imunologia, imunogenética e imunogenética quantitativaMaria Siqueira autou no Butantan em dois momentos e se tornou referência em imunologia, imunogenética e imunogenética quantitativa
Considerada uma das primeiras imunologistas do Brasil, Maria Siqueira incorporou visões inovadoras à sua área de pesquisa, desempenhando um papel central para o reconhecimento formal da carreira pública de pesquisador científico no estado de São Paulo – que até os idos de 1970, ainda não existia – e para a melhoria da formação de profissionais da área. Acumulou duas passagens pelo Instituto Butantan, sendo a primeira no início da sua trajetória, em meados da década de 1940, quando trabalhou como assistente de Otto Bier – autoridade em bacteriologia e imunologia, e diretor do Instituto à época. Nos anos 1960, foi para o Instituto Biológico, onde permaneceu até 1989, ano em que retornou ao Butantan. Nessa última passagem, contribuiu ativamente na estruturação do Laboratório de Imunogenética e, também, na criação da Fundação Butantan. Referência em imunologia, imunogenética e imunogenética quantitativa, Maria Siqueira foi professora de imunologia e microbiologia na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) e no curso de Aperfeiçoamento em Imunologia da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

Entre seus alunos, disseminou a importância da pós-graduação – força-motriz que ajudou a impulsionar a ciência brasileira na época. Foi responsável pela formação de inúmeros doutorandos, entre eles Osvaldo Augusto Brazil Esteves Sant’Anna, pesquisador do Laboratório de Imunoquímica do Butantan e primeiro bisneto de Vital Brazil, e , pesquisadora científica do Laboratório de Imunogenética.

4. Olga Bohomoletz Henriques (1916-1995)

Maria Siqueira autou no Butantan em dois momentos e se tornou referência em imunologia, imunogenética e imunogenética quantitativaMaria Siqueira autou no Butantan em dois momentos e se tornou referência em imunologia, imunogenética e imunogenética quantitativa
Formada pela Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, consolidou-se como uma das pesquisadoras mais proeminentes de sua época e grande conhecedora de venenos. Chegou ao Butantan na década de 1940, onde permaneceu por mais de 20 anos. No Instituto, foi uma das responsáveis pelo desenvolvimento da Seção de Bioquímica, tornando-se uma das principais referências em veneno de serpentes.

Durante esse período, passou uma temporada no Canadá, onde trabalhou com o notável endocrinologista húngaro Hans Selye (1907-1982), conhecido por seus trabalhos pioneiros sobre o estresse. De volta ao Brasil, integrou o grupo de pesquisa e desenvolvimento dos chamadas , presentes no veneno da jararaca e utilizados em fármacos para o controle da hipertensão, além de ter participado de importantes grupos de discussão que culminaram na fundação da Sociedade Brasileira de Toxinologia, na década de 1970.

Considerada uma líder inspiradora, Olga Bohomoletz Henriques também é reconhecida por desenvolver diversos trabalhos em parceria com outras cientistas mulheres, como Leda Ulson Matos, Linda Nahas, Alba Apparecida de Campos Lavras, Lygia Wendel Fried, Mina Fichman e Fajga Ruchla Mandelbaum – todas do Instituto Butantan. Entre os temas de suas pesquisas, destacam-se a relação de várias substâncias bioquímicas com o fibrinogênio, proteína que origina outra de nome fibrina, e é um dos principais componentes da coagulação sanguínea; a ação da adrenalina, hormônio que promove o aumento da força de contração dos músculos e da frequência cardíaca, levando ao aumento da pressão sanguínea; e a ação bioquímica do veneno de serpentes do gênero Bothrops, que engloba as jararacas.

5. Maria Luiza Beçak (1934-)

As pesquisas de Maria Luiza Beçak (à esquerda) contribuíram com um legado inestimável para os estudos de genética e biologia molecular. Na foto, a cientista está acompanhada da pesquisadora científica Alba LavrasAs pesquisas de Maria Luiza Beçak (à esquerda) contribuíram com um legado inestimável para os estudos de genética e biologia molecular. Na foto, a cientista está acompanhada da pesquisadora científica Alba Lavras
Doutora em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo (USP), é uma geneticista renomada, tendo contribuído com um legado inestimável à sua área de atuação. Na década de 1960, quando ingressou no Instituto Butantan, passou a atuar no Laboratório de Microbiologia como assistente da pesquisadora Jandyra Planet do Amaral, auxiliando nos estudos da vacina BCG contra a tuberculose.

Posteriormente, foi transferida para o Laboratório de Genética, trabalhando diretamente com o seu companheiro de vida e também cientista , com quem consolidou uma promissora carreira nos caminhos da genética e da biologia molecular.

Por conta da repercussão das pesquisas conduzidas pelo casal sobre trissomia do cromossomo 21, condição também conhecida como Síndrome de Down, em 1964 os dois foram convidados a passar uma temporada como pesquisadores associados no City of Hope Medical Centre, na Califórnia. No famoso centro de pesquisa, chegaram a conclusões revolucionárias sobre a evolução do mecanismo cromossômico de diferenciação sexual e a constância da quantidade de DNA no genoma nas diferentes espécies. Um ano depois, Maria Luiza retornou ao centro para finalizar sua tese de doutorado, quando realizou descobertas importantíssimas sobre a evolução cromossômica dos vertebrados. Apaixonada pelo ensino e rigor da pesquisa científica, a geneticista também escreveu diversos livros didáticos publicados no país e no exterior, impactando assim inúmeras gerações de estudantes. Não à toa, Maria Luiza Beçak é apontada como grande inspiração por diversos cientistas brasileiros.   Fontes: INSTITUTO BUTANTAN. INSTITUTO BUTANTAN. INSTITUTO BUTANTAN. MEMÓRIAS DO INSTITUTO BUTANTAN. SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. UNIVERSITAT HEIDELBERG.

Fotos: acervo do Instituto Butantan/Centro de Memória; acervo pessoal Olga Ibanez; Universität Heidelberg

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