O aumento da temperatura global pode criar ambientes aprazíveis para os cupins fora da região dos trópicos, onde a maioria deles vive hoje. Se isso acontecer, é possível que eles migrem para as regiões subtropicais do mundo, como o sul dos Estados Unidos e o norte da Argentina. Em alguns locais onde já vivem, a temperatura mais alta pode favorecer o crescimento populacional, especialmente em uma vasta extensão da África austral, onde poderão se estabelecer as maiores concentrações de cupins do planeta, segundo estudo que ganhou a capa da revista Science desta semana (23/9).
“Os cupins se adaptam bem às regiões quentes e secas porque constroem um sistema complexo de túneis com ventilação e temperatura controlada, ficando relativamente protegidos do calor do ambiente”, conta a bióloga norte-americana Amy Zanne, da Universidade de Miami, que liderou mais de 100 equipes em cinco continentes para realizar o estudo. Ela ressalta que as consequências dessa dinâmica podem ir além do interesse acadêmico. Em suas atividades essenciais à reciclagem de matéria orgânica de savanas e florestas tropicais, há tempos já foi constatado que os insetos liberam gás carbônico e metano — os mesmos produzidos pelos ruminantes. Eles poderão, assim, contribuir com uma porção até aqui desconsiderada nos cálculos do aquecimento global.
A pesquisadora, atualmente na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em período sabático, verificou que a digestão da madeira se torna mais eficiente em temperaturas mais altas, que otimizam a atividade das enzimas produzidas pelos microrganismos que vivem no intestino dos cupins. A umidade, por outro lado, não teve influência relevante. Com base em modelos ecológicos construídos a partir de informações do hábitat e projeções de mudanças no clima, esse conhecimento permite prever o que deve acontecer em diferentes regiões do mundo.
O estudo foi feito em 133 localidades da América, África, Europa, Oceania e Ásia, com o intuito de verificar a influência da temperatura e da precipitação no apetite dos insetos e dos microrganismos em diferentes ambientes e latitudes. Os pesquisadores usaram como isca troncos de Pinus, pinheiros de madeira macia e muito apreciada pelos cupins, que a picotam com suas mandíbulas.
Nos experimentos realizados, metade das iscas era coberta por uma tela fina, por onde só passavam os microrganismos. Na outra metade, a tela era esburacada na parte junto ao chão, permitindo que os insetos chegassem à madeira. “No Cerrado, os cupins acabaram com blocos inteiros em menos de um ano, enquanto os microrganismos não consumiram mais de 10% da massa”, conta o ecólogo André D’Angioli, da Unicamp, que fez o experimento como parte de seu doutorado. A ação dos cupins ali também se sobressai por ser um ambiente mais seco, pouco propício aos microrganismos, que dependem da umidade para sobreviver.
“Os cupins superam os microrganismos como principais decompositores de madeira em ambientes secos, como savanas e desertos tropicais”, ressalta o ecólogo Rafael Oliveira, orientador de D’Angioli na Unicamp e coautor do trabalho publicado na Science. Apesar de abrigarem poucas árvores de grande porte, esses ambientes cobrem vastas áreas do planeta e causam impacto no ciclo de carbono. Além disso, na África, Ásia e Oceania existem cupins que cultivam fungos, eficientes decompositores de lignina e de celulose, os compostos que conferem solidez à madeira. “A ausência dessa associação talvez explique por que nas florestas tropicais, como a Amazônia, a eficiência dos insetos foi menor”, sugere. Mesmo assim, em sua escala mais ampla o estudo encontrou uma discrepância média significativa. Nas áreas mais quentes, os cupins se mostraram quatro vezes mais eficazes na decomposição da madeira do que os microrganismos.
Fartura temperada
Entre os ambientes estudados, as menores taxas de atividade dos cupins foram observadas nas florestas boreais e temperadas, onde grande parte da decomposição fica a cargo dos microrganismos, segundo Zanne. Caso os cupins consigam ocupar esses ambientes, encontrarão uma fartura de madeira por ser devorada. Embora o estudo se concentre em ambientes naturais, o efeito também pode existir no contexto urbano. “As cidades são ilhas de calor e a ação dos cupins poderá ser ainda mais extrema”, propõe a ecóloga.
Sem os decompositores, os ambientes naturais ficariam soterrados por gigantescas pilhas de matéria vegetal. Algo assim já aconteceu na história da Terra no período Carbonífero, entre cerca de 290 milhões e 360 milhões de anos atrás. As primeiras plantas lenhosas se espalharam pelos trópicos em uma época na qual ainda não existiam organismos responsáveis pela decomposição. Por meio da fotossíntese, as plantas produziram madeira retirando grandes quantidades de gás carbônico da atmosfera, fazendo a Terra esfriar. É o contrário do que poderá acontecer com o aumento da atividade dos cupins, que deverá lançar mais gases estufa na atmosfera.
“Depois desse artigo, a abundância de cupins deverá ser levada em conta quando se calcula o ciclo mundial de carbono”, assinala o ecólogo Gustavo Romero, da Unicamp, que não participou do estudo. Em 2018, Romero demonstrou que o aumento de temperatura também atiça o apetite de aves, mamíferos e outros predadores, em artigo publicado na revista Nature Climate Change.
Com a colaboração de D’Angioli e Oliveira, Zanne planeja agora calcular a quantidade potencial de gás carbônico que poderá ser lançada na atmosfera pelos cupins. “Não foi fácil conseguir financiamento para a pesquisa nos Estados Unidos, pois as agências costumam ter mais interesse em estudar a praga que destrói casas do que o cupim que vive em ambientes naturais”, revela a pesquisadora norte-americana. Por ser pouco abundante nos ambientes naturais do hemisfério Norte, o inseto não goza de tanta visibilidade nessa região.