Ciência

Criptobiose: animal mais resistente do mundo consegue “pausar” o organismo e viver décadas sem água

Com 0,5 milímetro de tamanho, tardígrados suportam temperaturas extremas, radiação e até o vácuo do espaço
Imagem: Wikimedia Commons/Reprodução

Reportagem: Aline Tavares/Instituto Butantan

Já pensou ficar anos e anos sem água, em “sono profundo”, suportar as mais altas e baixas temperaturas, e ainda assim continuar vivo? Parece coisa de filme de super-herói, né? Mas existe um animal microscópico capaz de fazer tudo isso e muito mais: o tardígrado, também conhecido como “urso aquático”. Considerado o animal mais resistente do mundo, ele surgiu há 600 milhões de anos e possui uma habilidade poderosa chamada criptobiose, um estado de dormência que o protege das condições mais adversas imagináveis.

O termo “criptobiose”, que significa “vida oculta”, foi criado em 1959 pelo biólogo britânico David Keilin e descrito como “o estado de um organismo quando não mostra sinais visíveis de vida e quando a sua atividade metabólica se torna dificilmente mensurável ou para de forma reversível”. Essa redução do metabolismo impede a reprodução, o desenvolvimento e o envelhecimento do animal.

É exatamente o que acontece com os tardígrados, que habitam praticamente todo lugar do planeta onde tem água, inclusive o litoral brasileiro – eles precisam de uma película de água ao redor de seus corpos para conseguir respirar. Em locais com nível muito baixo de umidade, o animal se desidrata quase completamente, se encolhe em formato de bolinha e produz uma “capa” praticamente indestrutível. Seu metabolismo reduz para 0,01% da taxa normal, entrando em um tipo de dormência.

Ele faz tudo isso justamente para sobreviver. Quando o ambiente se torna favorável novamente (ou seja, com umidade), o tardígrado se reidrata e volta ao funcionamento normal do organismo. É como se ele ressuscitasse. O tempo de vida do animal na forma ativa varia de alguns meses até dois anos, mas ele pode ficar décadas em criptobiose.

Apesar do fenômeno ainda ser pouco compreendido, alguns estudos sugerem que esse “superpoder” pode ser explicado pela presença de altas concentrações de açúcares como trealose e sacarose, que ajudam a preservar as células e substituem a água nos tecidos. Além disso, ele possui uma proteína especial que aumenta a resistência das células, chamada de proteína supressora de danos (Dsup).

Características fantásticas

Além de aguentar temperaturas de -200°C a 150°C, outra curiosidade sobre esse superbicho é que ele pode suportar um nível de radiação mil vezes maior do que os humanos. A cidade próxima à usina de Chernobyl, na Ucrânia, onde aconteceu o maior acidente nuclear da história em 1986, é inabitável para nós, mas os tardígrados podem sobreviver o equivalente a 25 horas dentro do local da explosão.

A resistência à radiação ultravioleta também foi observada em uma espécie descoberta por pesquisadores da Índia em 2020, a Paramacrobiotus sp. Ela se protege por meio da fluorescência natural: absorve os raios UV e emite uma luz azul inofensiva.

Cientistas já descreveram 1.300 espécies de tardígrados presentes nos mais diversos lugares do mundo, incluindo os picos das montanhas do Himalaia, o fundo dos oceanos, as florestas tropicais e a Antártica. No Brasil, são , sendo 30 em ambientes marinhos e 70 em regiões terrestres e de água doce. Também podem ter alguns vivendo no seu jardim, no musgo de algum vaso, mas você (muito provavelmente) não vai enxergá-los.

Um tardígrado adulto mede cerca de 0,5 milímetro de comprimento e tem um corpo alongado e cilíndrico composto por quatro segmentos, oito patas com garras, cabeça e olhos. Alimentam-se do conteúdo de células vegetais, algas, vermes e outros pequenos animais, usando um par de estiletes localizados no interior da boca, parecidos com agulhas.

E qual o interesse dos tardígrados para nós, humanos?

Incrivelmente, estudar o urso aquático pode até trazer alguns benefícios para a nossa saúde. Cientistas americanos da Universidade de Wyoming já enviaram o animal para o espaço para descobrir como a falta de gravidade poderia afetá-lo e descobriram que ele consegue sobreviver e se reproduzir em voos espaciais, e aguenta a exposição prolongada ao vácuo do espaço. Isso ajuda a entender melhor a vida em gravidade zero, o que pode ser muito útil para os astronautas.

Além disso, os pesquisadores encontraram algumas proteínas no tardígrado que podem ajudar a estabilizar produtos biológicos (como vacinas, células-tronco, anticorpos e sangue) em locais onde não há refrigeração disponível para armazená-los. Hoje, esses itens precisam ser deixados sob o frio constante para continuarem viáveis para uso, então esse tipo de alternativa poderia beneficiar regiões remotas que não têm uma cadeia de frio estruturada.

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