O coronavírus não mudou quase nada quando saiu dos morcegos para os humanos

Desde dezembro de 2019 e durante os primeiros 11 meses da pandemia, o vírus sofreu poucas alterações genéticas importantes.
Crédito: Clément Falize/Unsplash
Sabemos que a Covid-19 é uma doença zoonótica — ou seja, ela é transmitida aos humanos por animais –, mas ainda há muitas perguntas a serem respondidas sobre o vírus que já causou a morte de 2,65 milhões de pessoas no mundo. Em meio ao surgimento de novas variantes do SARS-CoV-2, um estudo tentou entender as origens do vírus e como ele chegou até nós.

Os resultados mostram que desde dezembro de 2019 e durante os primeiros 11 meses da pandemia, o vírus sofreu poucas alterações genéticas importantes. O artigo, , analisou os sequenciamentos de centenas de milhares de genomas do SARS-CoV-2. Participaram do estudo pesquisadores do Reino Unido, dos Estados Unidos e da Bélgica.

Oscar MacLean, principal autor do artigo, ressalta que “isso não significa que nenhuma mudança ocorreu”, já que, assim como em outros vírus, “mutações sem importância evolutiva se acumulam e ‘surfam’ ao longo dos milhões de eventos de transmissão”. Uma alteração preocupante, por exemplo, é na proteína spike, que pode tornar a doença mais transmissível, conforme observamos com as novas variantes identificadas no Reino Unido e em Manaus.

Apesar desse maior índice de transmissibilidade ter gerado preocupação mais recentemente, a pesquisa mostra que essa tem sido uma característica notável do coronavírus desde o início. Sergei Ponde, coautor do estudo, explica que “geralmente, vírus que infectam uma nova espécie de hospedeiro levam algum tempo para adquirirem as adaptações necessárias para conseguirem se propagar tanto quanto o SARS-CoV-2, sendo que muitos deles não sobrevivem a esse processo, resultando em contaminações temporárias ou surtos localizados”.

A análise dos processos de mutação revelou que a maioria das alterações significativas, que permitiram que o vírus “pulasse” mais facilmente de um hospedeiro a outro, ocorreu antes de ele começar a infectar humanos e outros mamíferos. Os cientistas acreditam que essas características provavelmente evoluíram quando a doença se limitava aos morcegos.

Em uma das amostras do vírus RmYN02, encontrada em morcegos, os pesquisadores identificaram uma estrutura genômica composta tanto pelo SARS-CoV-2 como por segmentos de vírus de morcegos, reforçando a teoria sobre o ritmo evolutivo da doença, que não precisou de uma outra espécie animal intermediária para infectar humanos. Apesar de não apresentar alterações significativas durante o primeiro ano de contato com humanos, o processo evolutivo do vírus foi acelerado no final do ano passado, tornando-o ainda mais transmissível. Os pesquisadores explicam que isso ocorreu porque o perfil imunológico das pessoas também mudou.

Durante 2020, o número de casos de Covid-19 rapidamente atingiu a casa dos milhões, o que significa que, após um ano de pandemia, o vírus estava entrando em contato com um número cada vez maior de pessoas que já haviam sido infectadas antes e, portanto, tinham um sistema imunológico mais preparado para combater a doença. Assim, por meio do processo de seleção natural, as variantes capazes de driblar esses mecanismos de defesa começaram a emergir. Outro fator que contribuiu para isso foram as vítimas de Covid-19 com sistema imunológico comprometido, que, ao serem infectadas, ofereceram um ambiente propício para que o vírus sofresse mutações importantes.

O estudo recente é mais um alerta sobre a importância de vacinar toda a população mundial o quanto antes. Afinal, quanto maior o número de hospedeiros disponíveis, maiores serão as oportunidades de o vírus mutar para driblar até mesmo a proteção oferecida pelas vacinas atuais. Conforme aponta David Robertson, do Centro de Pesquisa sobre Vírus da Universidade de Glasgow e um dos principais autores do estudo, em comunicado, “a primeira corrida foi desenvolver uma vacina. A corrida agora é vacinar toda a população mundial o mais rápido possível”.

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