Coral invasor é resistente a compostos biocidas usados em tintas de navios e plataformas, revela estudo
Texto: Cristiane Paião |
Fazer com que navios e plataformas de petróleo durem mais e, ao mesmo tempo, não poluam o meio ambiente é um grande desafio. Por isso, substâncias antimicrobianas têm sido misturadas às tintas aplicadas nesses locais que ficarão submersos para evitar a adesão de animais aquáticos, principalmente em áreas com alto tráfego de embarcações.Em estudo na revista Toxics, pesquisadores observaram que indivíduos adultos da espécie Tubastraea coccinea, popularmente conhecida como coral-sol, são resistentes a nanocápsulas à base de DCOIT (4,5-Dicloro-2-octilisotiazol-3(2H)-ona), um dos biocidas anti-incrustantes mais utilizados no mundo depois que as tintas que tinham estanho e metais pesados na composição, como cobre e zinco, foram proibidas por causa da sua alta toxicidade para os animais marinhos.
Isso ajuda a explicar por que essa espécie, considerada invasora, se espalhou de forma tão consistente por cerca de 3,5 mil quilômetros do litoral brasileiro nos últimos anos, além do fato de não haver um predador natural por aqui. A descoberta é importante porque ajuda a entender o comportamento do animal no oceano Atlântico, já que a espécie veio dos oceanos Pacífico e Índico. Além disso, outros estudos feitos sobre essas substâncias anti-incrustantes geralmente envolvem organismos de águas temperadas ou frias, não havendo dados disponíveis sobre espécies de corais.O trabalho é liderado pelo professor , coordenador do Núcleo de Estudos sobre Poluição e Ecotoxicologia Aquática (Nepea) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de São Vicente. Também envolve pesquisadores do Instituto Oceanográfico (IO) e do Centro de Biologia Marinha (CEBIMar) da Universidade de São Paulo (USP), além do professor Roberto Martins, da Universidade de Aveiro, em Portugal.
Os estudos do grupo receberam no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP. O trabalho teve ainda entre os autores Isabela Martins e Kátia Cristina Cruz Capel, de pós-doutorado.
Inovação
Como o T. coccinea é uma espécie invasora e é retirado regularmente (de forma manual) pelas equipes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), acabou se tornando um organismo de teste alternativo para avaliar os riscos para as espécies nativas, uma vez que a maioria dos corais nativos do Brasil está ameaçada atualmente. Em um único mês (janeiro de 2024), as equipes do ICMBio em Alcatrazes , com o apoio de voluntários e atividades de fiscalização com o suporte de um representante da Polícia Federal.
Além disso, esse também é um grande problema para a navegação. Apesar de um processo natural, a bioincrustação coloca em risco a segurança das embarcações, aumentando o peso, causando sobrecarga, entupindo sistemas de resfriamento e reduzindo a propulsão da hélice, por exemplo. A estimativa é que cerca de US$ 450 milhões sejam gastos todos os anos com prevenção de bioincrustação. “Esse tipo de coral é considerado muito invasivo, ele coloniza muito rapidamente os paredões rochosos desse local onde coletamos as amostras, o arquipélago de Alcatrazes. E, como já se acreditava, vimos na pesquisa que é muito resistente aos poluentes. Agora, nessa próxima etapa, a nossa ideia é, em vez de testar só as substâncias com DCOIT nos corais, testar também as tintas. Vamos colocar placas pintadas no mar com os animais e ver o que acontece”, adianta Abessa.Principais descobertas sobre o coral-sol
Depois de serem recolhidos no mar, os fragmentos de colônias do coral-sol foram aclimatados no laboratório e expostos por 96 horas a diferentes concentrações de substâncias à base de DCOIT, submersos em frascos com temperatura constante de 23°C, iluminação e aeração controladas. Segundo Abessa, coordenador da pesquisa, um dos principais achados até aqui foi observar a transferência da toxicidade do DCOIT na cadeia alimentar dos animais. Durante a pesquisa, foi possível observar que, após o contato com a tinta, as substâncias se acumulam, se depuram e, em 24 horas, são eliminadas do organismo dos animais. Isso poderia indicar outros impactos, por exemplo, ligados à alimentação de comunidades próximas a esses locais contaminados, onde se aglomeram navios e plataformas, mas seriam necessários outros estudos para compreender melhor esse reflexo da poluição. “Uma das coisas que percebemos observando o comportamento dessa substância em outros animais é que o DCOIT depura mais quando está encapsulado, quando é um nanomaterial”, avalia o cientista. Além do coral-sol, os pesquisadores também estão testando esse composto em vários outros animais, como mexilhões, bolachas-do-mar, fungos, bactérias e microalgas. “O que nós estamos propondo é pegar esse composto, esse biocida, e colocá-lo numa nanocápsula. Desse modo, ele fica retido e aprisionado, o que reduz sua liberação na água e, consequentemente, a contaminação do ambiente”, destaca o professor da Unesp. “Nós encontramos muitos estudos sobre as águas temperadas, mas aqui, na região do hemisfério Sul, em águas tropicais, ainda são necessários avanços e queremos participar desse debate”, diz Abessa.O artigo Adults of Sun Coral Tubastraea coccinea (Lesson 1829) Are Resistant to New Antifouling Biocides pode ser lido em: .