O El Niño colocou o mundo em alerta em 2023 ao manifestar temperaturas oceânicas mais altas. Em contrapartida, também pode ajudar as cidades do estado do Maranhão que estão sendo engolidas por grandes buracos. O Giz Brasil foi apurar esse “lado bom” do El Niño.
Isso acontece porque o fenômeno climático tende a reduzir as chuvas na Amazônia e no nordeste brasileiro. Como as chuvas aumentam a erosão do solo e ampliam ainda mais as fendas conhecidas como voçorocas, termo do tupi-guarani para “terra rasgada”, a escassez pode estagnar a abertura de mais buracos – mas está longe de ser a solução do problema maranhense.
O caso do Maranhão
Existem voçorocas em vários locais do Brasil e do mundo, mas a situação do Maranhão chama a atenção. Pelo menos seis cidades estão afetadas por rasgos no solo causados pela erosão intensa. A mais prejudicada, porém, é Buriticupu, de 73 mil habitantes.
Localizada no oeste maranhense, a cidade é relativamente nova. Começou como um assentamento para trabalhadores rurais na década de 1960, numa região alta e plana. Se consolidou a partir de 1970 e, depois que virou município, em 1994, teve um crescimento exponencial.
A concentração na área alta e plana, porém, logo ficou pequena para os novos habitantes. Por causa disso, muitos foram morar nas encostas do vale do Rio Buriticupu, que é onde estão as maiores fendas.
O fator ambiental
Buriticupu tem uma confluência de condições naturais e sociais que permitiram os pontos de erosão, como explicou Marcelino Silva Farias Filho, professor do Departamento de Geociências e do Programa de Pós-graduação em Geografia da (Universidade Federal do Maranhão), ao Giz Brasil.
A cidade fica em uma área chuvosa do bioma amazônico e possui um relevo bastante movimentado, com irregularidades de áreas altas e baixas. É fácil enxergar o desnível: enquanto algumas casas estão a 350 metros de altitude, outras ficam a 120 metros.
Buriticupu também está em cima do curso médio da Bacia Hidrográfica do Pindaré, o que faz com que tenha mais áreas de erosão natural. Mas foi o processo de ocupação que tornou as condições ideais – e catastróficas – para as voçorocas.
Problemas de saneamento
Com o desnível, a água que cai na área mais alta ganha força ao escoar no vale do Rio. O fator piora com a falta de saneamento básico: como grande parte da cidade não tem tubulação de esgoto, essa água também vai para as encostas.
“A chuva já é um fator de erosão natural”, explicou Farias Filho. Mas, segundo ele, a situação se deteriorou em 2017, quando Buriticupu recebeu asfaltamento nas ruas.
“As ruas foram asfaltadas, mas não ganharam canalização de esgoto, não teve o direcionamento correto. Então é mais água que, quando chove, não é absorvida pelo solo e vai direto para o local mais suscetível a erosão”, disse.
A consequência são buracos cada vez maiores no Maranhão. Muitos já chegam a 80m de profundidade, atingem o lençol freático e forçam o deslocamento de pessoas para áreas ainda mais vulneráveis. Existem pelo menos 26 grandes fendas na cidade. E outras em formação.
Como o El Niño pode ajudar?
A seca no nordeste tende a diminuir a velocidade de formação de novas voçorocas e erosão das que já existem. Mas, como o processo também acontece por causa do esgoto, a redução das chuvas no máximo atrasa, mas não interrompe a gravidade dos buracos no Maranhão.
Além disso, as perdas fazem com que a cidade fique em evidência e que as autoridades se movimentem para resolver o problema. Segundo Faria Filho, a falta de chuvas pode fazer com que o problema seja “esquecido” enquanto ele, na verdade, só aumenta.
“Se não tem mais notícia nos jornais, as autoridades esquecem do problema. E aí recomeça a ocupação em áreas de risco e voltamos a caminhar para um processo que tende a ficar mais grave no futuro”, disse o pesquisador. “Por isso, sim, a falta de chuvas reduz a velocidade da abertura das voçorocas, mas o problema pode se intensificar além disso”.
Tem solução?
É possível estagnar o processo erosivo e recuperar algumas áreas, disse Farias Filho. Mas, para isso, é essencial o monitoramento permanente dos buracos no Maranhão. “Estagnar não significa que outros pontos vão deixar de existir”, justificou.
Em geral, a técnica de estagnação custa caro. Mas é possível driblar esses custos com alternativas sociais, estabelecidas pelo poder público. A primeira é a criação de um plano diretor para as cidades, forma de delimitar áreas específicas para a moradia fora das áreas de risco e com previsão de saneamento.
Outra alternativa é fiscalizar e transferir as pessoas que já estão em áreas de risco para locais seguros. “Se houver um processo de contenção, uma canalização correta da água, a área iria deixar de passar pelo processo corrosivo intenso e, aos poucos, começaria a se estabilizar”, disse Farias Filho.
Agora, se o processo de deposição da água continuar, as voçorocas não pararão de evoluir. “Em uma previsão pessimista, teremos uma voçoroca ocupando um pedaço da cidade e tornando toda a área inóspita”, pontuou.