Como começou a busca pelo bóson de Higgs
Neste excerto do livro Massive: The Missing Particle That Sparked the Greatest Hunt in Science, o autor Ian Sample conta a história de como Peter Higgs passou de irrelevante a lendário com apenas uma palestra. *** Peter Higgs mudou-se para a cidade de Chapel Hill em 6 de setembro de 1965, deixando Jody, que estava no […]
Neste excerto do livro Massive: The Missing Particle That Sparked the Greatest Hunt in Science, o autor Ian Sample conta a história de como Peter Higgs passou de irrelevante a lendário com apenas uma palestra.
***Peter Higgs mudou-se para a cidade de Chapel Hill em 6 de setembro de 1965, deixando Jody, que estava no fim da gravidez, com os pais dela em Urbana, Illinois. Na universidade, ele decidiu escrever seu primeiro grande trabalho sobre a origem da massa. Em 24 de setembro, ele trabalhava na biblioteca do seu novo apartamento, quando o telefone tocou. Seu primeiro filho, Christopher, havia acabado de nascer. Higgs terminou seu trabalho em novembro, e enviou uma cópia para publicação e algumas outras para físicos que ele achou que se interessariam.
Apesar de não estar claro na época, a teoria de Higgs apontava para um momento crítico no nascimento do universo. Imediatamente após o Big Bang, a explosão cataclísmica que criou o universo, as partículas elementares não tinham massa nenhuma. Então, uma fração de segundo após o Big Bang, algo aconteceu: um campo de energia que permeava o universo se ativou. Partículas sem massa que se moviam à velocidade da luz ficaram presas no campo e ganharam massa. Quanto mais elas sentiam os efeitos do campo, mais massa elas ganhavam. A maioria dos cientistas concorda que o tempo começou há cerca de 13,7 bilhões de anos, possivelmente com o primeiro bang que já houve – talvez apenas um de muitos bangs que ocorrem em um processo cíclico.
O universo, que no início era uma bola microscópica de energia intensa, estava quente demais para as leis da natureza emergirem da forma que conhecemos. Mas num piscar de olhos (se houvesse olhos para ver isto), o cosmos cresceu até o tamanho de uma bola de praia, e se resfriou o bastante – a cerca de dez mil trilhões de graus Celsius – para o campo de Higgs ganhar vida. Naquela piscada de olhos, os primeiros componentes da matéria foram domados: ficaram pesados e lentos, como moscas numa sopa.
O campo de Higgs é crucial para a estrutura do universo e para sua capacidade em sustentar a vida como a conhecemos. Sem o campo, as partículas elementares – os blocos que constroem a matéria – iriam se comportar como a luz. A química que conhecemos não seria possível. A matéria não teria se reunido nos átomos que vemos hoje. Estrelas e planetas não teriam se formado. O universo seria um lugar devastado e sem vida.
No centro da teoria de Higgs estava uma nova partícula associada ao campo que dá massa. O bóson de Higgs, de certa forma, é a parte que resta após o campo dar massa às partículas. A melhor esperança que cientistas têm para mostrar que a teoria de Higgs está certa é mostrar que essa partícula existe.
Pouco depois de Higgs enviar seu trabalho para os acadêmicos, chegou uma carta no seu escritório em Chapel Hill. Era de Freeman Dyson, matemático nascido na Inglaterra que trabalhou no comando de bombardeiros da Força Aérea britânica durante a Segunda Guerra Mundial. Dyson atravessou o Atlântico aos 23 anos, segurando uma carta que o declarava o melhor matemático da Inglaterra. Desde então, ele se tornara um professor eminente no Instituto de Estudos Avançados da Universidade Princeton.
A carta de Dyson era amigável e não poderia ser mais elogiosa. Ele explicou como havia gostado do trabalho mais recente de Higgs, esclarecendo coisas que lhe causavam dúvida há algum tempo. Ele perguntou se Higgs poderia oferecer um seminário no instituto sobre sua teoria. Higgs ficou surpreso, mas aceitou sem pensar duas vezes. Só que o entusiasmo de Dyson não queria dizer que Higgs teria um trabalho fácil no Instituto de Estudos Avançados. O instituto abrigava alguns dos físicos mais brilhantes do mundo, e alguns deles certamente discordariam da teoria de Higgs. Vários cientistas renomados migraram para o instituto desde que Louis Bamberger, um filantropo americano, o criou na década de 30. Seu residente mais famoso, Albert Einstein (falecido em 1955) havia passado lá os últimos 25 anos da sua vida, tentando explicar como nasceram as forças da natureza. Kurt Gödel, estudioso austro-americano de lógica, ainda estava lá, redefinindo os limites do conhecimento humano. Ele e Einstein foram amigos, apesar de irritar Einstein apontando que suas famosas teorias tornavam possível a viagem no tempo. O pai da computação moderna, John von Neumann, também estava no instituto, transformando a matemática do pôquer em uma estratégia política para vencer a Guerra Fria.
Robert Oppenheimer, o proeminente físico que comandou o Projeto Manhattan para construir a bomba atômica, se tornou chefe do instituto em 1946, aumentando a aura intimidadora do lugar. Oppenheimer era conhecido por seu pavio curto e língua afiada, e ficava em seu pior estado quando aparecia nos seminários semanais realizados no campus. Ele já intimidou palestrantes menos confiantes, testando-os de forma implacável com perguntas e corrigindo-os antes mesmo de terem uma chance de responder. Era uma característica que Dyson odiava, e isso às vezes era motivo de briga entre os dois quando os seminários acabavam. “Oppenheimer sempre tentava dizer o que você teria dito se fosse tão esperto como Oppenheimer”, lembra Dyson.
Enquanto Higgs dirigia até lá, sua mente divagava sobre a palestra que ele daria no dia seguinte. O público seria diferente de todos aos quais ele havia apresentado antes. Quando Higgs voltou sua atenção para a estrada, ele foi tomado por um surto de pânico. Temendo perder o controle do veículo, ele encostou o carro. Ao lado da estrada, ele respirou fundo e tentou recuperar sua compostura. Higgs tinha acabado de ver uma placa na estrada. A saída para Princeton estava a menos de 2 km. Ele estava quase lá.
O Instituto de Estudos Avançados ficava em 800 acres de jardins paisagísticos a cerca de 1,5 km de Princeton. Em vez de dirigir direto para lá, Higgs pegou um desvio pela cidade e estacionou o carro. Ele caminhou até uma agência postal e conversou com o atendente. Atrás do balcão, o atendente tinha uma folha de novos selos violetas de oito centavos, lançados naquele dia em comemoração a Einstein. Isso porque Einstein nasceu naquele dia em 1879, então o correio escolheu cuidadosamente tanto a data como o local para lançar os selos. Cada um deles tinha uma foto do grande físico, tirada vinte anos antes por Philippe Halsman, um amigo da família que havia servido pena em uma prisão na Áustria, por matar o próprio pai em uma escalada nos Alpes. Os selos irritaram Higgs por se referirem a Einstein como um “americano proeminente”. Apesar de Einstein ter obtido sua cidadania americana em 1940, Higgs o considerava um europeu de coração. Mesmo assim, ele pensou que este seria um bom presente para seu amigo e mentor Nicholas Kemmer, que estava em Edimburgo, e ele enviou o selo para a Escócia.
Estava anoitecendo quando Higgs chegou ao instituto, onde ele e Jody conheceram Freeman Dyson. Os três se deram bem e Higgs logo esqueceu o nervosismo que lhe tomou enquanto ele dirigia até lá. Quando eles terminaram de conversar, os Higgses foram para seus alojamentos e caíram num merecido sono.
A palestra de Higgs estava agendada para 16h15 na tarde seguinte. Quando ele chegou, viu que o próprio Dyson estava programado para palestrar antes. Ele falou sobre um tema bastante erudito, a estabilidade da matéria, mas ele abordou uma pergunta simples o bastante: como os objetos ao nosso redor permanecem intactos, já que eles contêm inúmeras partículas seguradas por forças minuciosamente equilibradas, porém extremamente potentes? Por que este livro, com sua enorme quantidade de energia presa em seus átomos, simplesmente não se desfaz? Por que suas roupas não explodem de forma espontânea em um zilhão de fragmentos subatômicos?
Dyson fechou sua brilhante palestra e abriu para perguntas. Como esperado, o público era perspicaz e desafiador. Esta habilidade em fazer boas perguntas era aprimorada com uma espécie de tradição no instituto: palestras semanais com o intrigante nome de Shotgun Seminars. Neles, ninguém sabia quem seria o palestrante até que um nome fosse sorteado de um chapéu. As apresentações eram populares, mas tinham um porém: todo membro da audiência tinha que colocar seu nome no chapéu e estar pronto para apresentar o seminário se seu nome fosse retirado. Todos ficavam ansiosos para se apresentar, e quem não era escolhido ficava igualmente ansioso para encher de perguntas quem fosse apresentar.
Quando o público exauriu seu estoque de perguntas, Dyson anunciou a pausa para o chá e avisou que seu convidado, Peter Higgs, seria o próximo. Como convidado especial, Higgs sabia que ele iria se apresentar. Ele se juntou à multidão durante a pausa, e enquanto tomava uma xícara de chá, ele entrou numa conversa com um físico alemão chamado Klaus Hepp. Os dois haviam se conhecido antes em uma escola de verão na Escócia, em 1960. Enquanto os dois conversavam sentados, Hepp mencionava um trabalho que estava prestes a ser publicado por três cientistas altamente conceituados. Hepp disse que, infelizmente, isso seria um golpe para a teoria de Higgs. “Não há dúvida”, disse ele, enquanto os dois voltavam para o anfiteatro. “Você errou em algo.”
Pelo menos Oppenheimer não estava por perto. Higgs não fazia ideia, mas o tirânico diretor estava gravemente afetado por câncer, e deixaria o cargo três meses depois. No palco, Higgs reuniu seus trabalhos e, passo a passo, explicou ao público sua teoria. Dyson ouvia atentamente. Ele acreditava que a teoria de Higgs era linda. Quando seu convidado terminou de falar, várias mãos se levantaram pela sala. Apesar de Higgs estar ansioso com o seminário, havia uma confiança subjacente na sua forma de agir. Ele conhecia tão bem as equações de sua teoria que sentia o significado profundo delas. Ele tinha certeza de que as ideias que apresentava eram válidas. Isto não significa, claro, que elas fossem necessariamente verdade. Muitas coisas que estão corretas na teoria não acontecem na natureza. Mas se a teoria não tivesse falhas, ela pelo menos seria uma possibilidade para explicar a origem da massa.
As perguntas do público foram perspicazes, profundas e críticas, mas nenhuma expôs erros na lógica de Higgs. A teoria passou por seu teste mais desafiador. Dyson agradeceu Higgs por palestrar e fechou a sessão, satisfeito que tudo deu certo. Mais tarde, Higgs soube que Arthur Wightman, um importante físico entre o público, disse aos colegas que era melhor eles checarem a “prova” deles que contradizia a teoria de Higgs. Ele acreditou em todas as palavras que Higgs disse.
No dia seguinte, depois de jantar com os Dysons, Higgs caiu novamente na estrada. Um segundo convite chegou da Universidade Harvard, onde trabalhava o físico proeminente (e brincalhão) Sidney Coleman, e Higgs concordara em participar de uma discussão aberta antes de voltar para Chapel Hill. A palestra foi marcada para a tarde, o que não era inesperado. Coleman era conhecido por faltar em seus compromissos da manhã, e uma vez explicou que não conseguiu dar uma aula às 9h da manhã porque jamais conseguiria ficar acordado até tão tarde. Coleman esperava se divertir um pouco com Higgs. Depois, ele confessou dizer aos estudantes que algum idiota estava indo palestrar para eles. “E vocês vão destruí-lo em pedaços!”
Mas o ataque nunca aconteceu. Em Harvard, a palestra de Higgs se tornou uma discussão entusiasmada na qual todos participaram. Mais uma vez, sua teoria resistiu ao escrutínio. Se o público começou esperando destruí-la, eles terminaram com uma sensação intrigante. A teoria de Higgs foi um divisor de águas na física, um daqueles passos cruciais que abrem uma porta para um novo mundo, onde as descobertas estão só esperando por nós.
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