Como cerveja e drogas fortaleceram um antigo império andino
Evidências arqueológicas do Peru sugerem que membros da elite do Império Huari misturavam uma droga alucinógena com uma bebida similar a cerveja para cultivar e preservar o controle político.
Durante as festas, as elites Huari adicionavam vilca, um poderoso alucinógeno, a chicha, uma bebida similar a cerveja feita de frutas. A mistura resultou em uma droga potente para festas, que os cientistas acreditam que ajudou aqueles que estavam no poder com seus convidados e a consolidar relações. A vilca só podia ser produzida pelas elites e, devido a isso, esse psicodélico de festas serviam para aumentar a importância política e social. O estudo foi publicado nesta terça-feira (11) na revista científica Antiquity.
O vibrante estado pré-colombiano de Huari governou os Andes peruanos entre 600 d.C. e 1.000 d.C., antes do surgimento do Império Inca. Evidências da mistura de vilva e chica foram encontradas no sítio de Quilcapampa, no Peru – um posto avançado Huari de curta duração construído durante o século 9 d.C. Arqueólogos do Museu Real de Ontário, no Canadá, ajudaram no trabalho de campo, enquanto Matthew Biwer, um arqueólogo do Dickinson College na Pensilvânia, Estados Unidos, contribuiu para as análises.
Quilcapampa, localizado em uma estrada no centro-sul do Peru, é importante por ser “um dos poucos sítios Huari investigados na província peruana de Arequipa, que é atualmente pouco estudada em termos de Huari”, como Biwer, que liderou o estudo, explicou por e-mail. Em particular, esse sítio tem “providenciado evidências relevantes sobre como o povo Huari operava na região”, assim como informações sobre “as relações que o povo Huari desenvolveu com locais durante sua ocupação incomumente curta do espaço”, acrescentou.
A vilca, como droga, remonta a milhares de anos atrás, mas não estava claro se os indivíduos Huari participaram. Membros do estado contemporâneo de Tiwanaku, por outro lado, parecem ter ingerido o alucinógeno como rapé. O químico bufotenina DMT é o que dá à droga suas potentes qualidades psicotrópicas. Mas como o novo estudo sugere, o povo Huari usava a vilca para ficar chapado, mas ao invés de consumir como rapé, eles a adicionaram à chicha – nesse caso, à chicha produzida por frutos do Schinus molle, uma árvore perene nativa do Peru.
“Pelo que sei, esta é a primeira descoberta de vilca em um sítio Huari em que podemos ter um vislumbre de seu uso”, disse Biwer. “As sementes de vilca ou seus resíduos já foram encontrados em túmulos antes, mas só pudemos supor como foi usada. Esses achados apontam para uma compreensão mais sutil dos festejos e da política Huari, e como a vilca estava relacionada a essas práticas.”
A escavação em Quilcapampa fornece evidências de ambas as substâncias. Mais de um milhão de frutos ou resíduos de molle do tamanho de ervilhas foram encontrados no local, assim como algumas sementes de árvore vilca, que eram usadas para produzir a potente droga alucinógena. Como Biwer explicou, foi o contexto arqueológico que permitiu que sua equipe concluísse que as duas substâncias eram misturadas.
“A vilca não é comum no local – nós recuperamos apenas algumas sementes,”, ele disse. “Isso é importante porque sabemos que seu uso não era generalizado – mas sim limitado a certos contextos”.
De fato, a vilca só foi recuperada em algumas áreas do sítio arqueológico, uma das quais era uma pilha de lixo central localizada próximo a um poço com borras de molle usadas na chicha.
De acordo com Biwer, a estreita associação entre a vilca e as borras de chicha, a ausência de parafernálias ligadas ao rapé e as evidências apontando para grandes festas apontam para o uso da mistura usada em uma celebração realizada em Quilcapampa.
Essas festas comunitárias oferecidas pela elite cimentaram relações sociais ao mesmo tempo que mostravam hospitalidade por parte do estado. De certa forma, foi a cerveja e as drogas que permitiram ao império Huari manter o controle político, como Biewer argumentou em e-mail ao Gizmodo:
“A capacidade de proporcionar um banquete para os convidados tem poderosas conotações sociais, econômicas e políticas. Organizar um banquete envolve dar comida e outros recursos aos convidados. Isso pode fornecer muita influência social e política para um anfitrião, cujos convidados testemunham suas habilidades econômicas (lembre-se, não há mercearia para comprar comida). Quem é convidado, o que é servido, quem come o quê e quanto, e muitos outros aspectos das festas criam uma atmosfera politicamente carregada. Também é político à medida que os convidados de uma festa podem ficar endividados com um anfitrião que lhes deu comida e bebida – nem todos têm meios para pagar. Dessa forma, eles seriam socialmente obrigados a retribuir o anfitrião de algum jeito, o que se traduz em poder real para o anfitrião. Usando banquetes e sobras, você pode criar relacionamentos por meio dos quais algumas pessoas se tornam endividadas com outras – há um poder real em tais situações.”
Parece provável que as elites tivessem controle exclusivo sobre a droga vilca. A árvore não cresce no vale em que Quilcapampa está localizado – a fonte mais próxima está a 400 quilômetros de distância. Claramente, nem todos tinham meios de conseguir essas sementes alucinógenas, mas não apenas isso, era do interesse dos líderes Huari controlar seu acesso e uso, de acordo com o estudo.
A nova pesquisa mostra que os Huari tinham acesso a vilca, o que não estava claro antes, e que eles a adicionaram à chicha, ao invés de usá-la como rapé. De acordo com Biwer, isso é significativo porque “o rapé cria uma experiência que altera a mente de um único indivíduo”, enquanto “a adição de vilca à chicha pode proporcionar essa experiência a várias pessoas”. E fazendo isso, “Huari começou a usar o banquete e a capacidade de fornecer uma experiência que altera a mente… para criar relações sociais e de poder com os locais e outros grupos que encontravam”, acrescentou.
Os sul-americanos pré-históricos tinham acesso a uma série de drogas. Pesquisas de 2019 revelaram um contendo cinco diferentes substâncias psicoativas, incluindo ayahuasca e cocaína. O pacote, encontrado em uma caverna na Bolívia a uma altitude de quase 4 mil metros, parecia pertencer a um xamã, que possuía conhecimento considerável sobre certas plantas e onde adquiri-las.