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Colecionador de insetos na infância, pesquisador é hoje o sexto cientista que mais descreveu aranhas na história

Antonio Brescovit já descobriu mais de 800 espécies de aracnídeos e é responsável pelo Laboratório de Coleções Zoológicas do Butantan

Colecionador de insetos na infância, pesquisador é hoje o sexto cientista que mais descreveu aranhas na história

Reportagem: Aline Tavares/

No fundo de um quintal em Porto Alegre (RS), nas décadas de 1970 e 1980, crescia uma curiosa (e preciosa) coleção dos mais variados insetos e aracnídeos. O responsável pela coleta e cuidado dos bichos, então menino, deixava a mãe de cabelo em pé com o passatempo. Se aventurava no mato para admirar as peculiaridades da natureza, quando visitava os avós no interior, e comprava livros de zoologia para tentar dar nome ao que encontrava. E foi começando assim, com eterna curiosidade, que Antonio Domingos Brescovit se tornou pesquisador científico do Instituto Butantan e um dos maiores aracnólogos do mundo.

“Nos dias de aula de ciências, entrava no ônibus segurando um pote com algum bicho, e era engraçado porque ficava todo mundo olhando de longe, com medo”

Formado em Biologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), mestre e doutor em Zoologia na Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba, Antonio Brescovit é diretor do Laboratório de Coleções Zoológicas do Butantan. Aos 65 anos, é o responsável direto pelos aracnídeos do Butantan – que compõem a maior coleção da América Latina, englobando cerca de 600 mil lotes com quase 1 milhão de animais.

A pequena coleção de insetos, embrião da vida científica de Antonio, continuou inspirando o pesquisador ao longo dos anos. Durante a faculdade, ele finalmente aprendeu as técnicas corretas para armazenar os insetos: comprava alfinetes entomológicos e mandava fazer caixas especiais de madeira com tampa de vidro. Eventualmente, devido ao grande espaço que os itens ocupavam e aos custos de manutenção, o biólogo decidiu doar toda a coleção para o Museu de Ciências Naturais do Rio Grande do Sul, onde fazia iniciação científica.

Nessa época, durante a iniciação científica, o cientista teve a primeira experiência de pesquisa com aranhas, tema inesperado que acabaria definindo sua carreira. Embora a intenção inicial fosse trabalhar com insetos, Antonio viu uma maior oportunidade de crescimento no campo dos aracnídeos, pois ainda havia poucos especialistas no Brasil.

O foco do trabalho do biólogo é a taxonomia, ou seja, a descrição e classificação de novas famílias, gêneros e espécies. Só no mestrado e doutorado, o cientista propôs mais de 30 gêneros e mais de 50 espécies de aranhas da família Anyphaenidae. “As aranhas dessa família são conhecidas como aranhas-fantasma porque são muito rápidas. Coletar esses bichos sempre foi um desafio”, conta.

Hoje, acumula um total de 880 espécies e 58 gêneros de aranhas descritos, sendo o segundo pesquisador que mais descreveu espécies destes animais no Brasil e o sexto no mundo, de acordo com a World Spider Catalog Association. Com mais de 30 anos de dedicação a essa minuciosa tarefa, ele garante: é um trabalho desafiador, mas muito gratificante.

“Você precisa ter bichos em quantidade para ter certeza que está descrevendo espécies novas e não variações de uma espécie, por exemplo. São horas olhando o bicho na lupa, fotografando, desenhando, para depois publicar e mostrar que aquilo é verdade”

Antonio mostra a primeira foto que tirou no Butantan, em frente ao Laboratório de Coleções Zoológicas, em 1995

A construção de um legado

A história de Antonio Brescovit no Instituto Butantan começou em 1995. Quando estava na reta final do doutorado, passou no concurso de pesquisador científico e mudou-se para São Paulo com a esposa, também bióloga. Na época, integrou a equipe do antigo Laboratório de Artrópodes, que abrigava a coleção de aracnídeos. As coleções herpetológica (serpentes), entomológica (insetos) e acarológica (ácaros) ficavam em laboratórios separados. O acervo só foi unificado em 2010, após o incêndio que acometeu o prédio e destruiu milhares de exemplares – sem dúvida, um dos momentos mais marcantes que viveu.

“Quando eu cheguei e vi o prédio, fiquei apavorado. Pela aparência que estava, achei que não havia sobrado nada. A coleção de serpentes foi a mais afetada, com uma perda de 80%, e a de aracnídeos cerca de 30%. A alunos perderam material de monografias, teses… Foi terrível”

Aos poucos, as curadorias foram se reerguendo, e hoje são motivo de grande orgulho para Antonio, responsável por liderar a equipe há seis anos. Além da coleção própria, o Butantan recebe materiais de outras instituições, e também empresta exemplares a cientistas de fora – colaboração internacional que ajuda a fomentar estudos de taxonomia e evolução.

O estudo e preservação da biodiversidade, que tem sido cada vez mais ameaçada, depende diretamente das coleções zoológicas. “Nós temos não só uma enorme coleção, mas uma coleção diversa, com materiais de pelo menos 40 países, alguns obtidos em expedições, outros doados”, destaca. “Isso torna a coleção ainda mais importante em termos de acesso a material para pesquisadores brasileiros que estudam espécies de fora.”

Para Antonio, além da manutenção de uma coleção tão rica, um dos maiores legados de seu trabalho é a formação de futuros especialistas na área. Pelo menos 20 doutores e 15 mestres já foram orientados por ele e conquistaram posições de relevância na pesquisa. Uma das ex-alunas, inclusive, tornou-se pesquisadora em seu laboratório – , hoje sua diretora-técnica substituta.

“Um dia, eu vou me aposentar, e precisamos de profissionais que continuem cuidando da coleção. Fico muito feliz de poder formar novos especialistas e vê-los atuando – significa que a aracnologia não perdeu”

Percalços na estrada

Quando Antonio começou a estudar aranhas na década de 1980, pouco se sabia sobre a diversidade de espécies, e fazer uma descrição levava muito mais tempo. Partir “do zero”, buscar artigos em bibliotecas, fazer xerox dos desenhos, escrever a tese de doutorado em uma máquina de escrever… Tudo isso parece uma realidade bem distante.

“Atualmente é tudo informatizado: acessamos os artigos online, fazemos microscopia eletrônica de varredura para observar minúsculos detalhes das estruturas do animal que não conseguimos ver na lupa, fotografamos e já passamos para o computador. Uma vez com todo o material em mãos, em dois a três dias você descreve o exemplar, algo que antes podia demorar semanas”, afirma.

Mas a melhor parte do trabalho, sem dúvida, acontece fora do laboratório: as expedições. Antonio já realizou mais de 60 viagens de campo para coletar espécimes de aranhas em todo o Brasil, sendo a maior parte pelo Programa Biota da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Com o projeto Butantan na Amazônia, visitou a região pelo menos três vezes por ano durante cinco anos. Também viajou para o Peru, Argentina e Chile – neste último, chegou a percorrer mais de 6 mil km de carro.

Ao longo do caminho, o cientista acumulou muitas histórias – algumas boas, outras nem tanto. Apesar dos momentos difíceis, como o incêndio no prédio das coleções e quando teve o carro de um projeto roubado voltando de uma viagem de campo, no dia do aniversário de um ano da filha, o bom humor é marca registrada do pesquisador, conhecido por brincar com todo mundo.

Quem olha uma das aranhas de plástico em cima de sua mesa, por exemplo, nem imagina a história cômica que há por trás. “Certo dia, um professor da USP nos trouxe uma caixa dizendo que os colegas de departamento encontraram uma aranha ali. Quando abri a caixa, coloquei a mão dentro e ele entrou em pânico. Quando retirei, era uma aranha de plástico. Os colegas tinham pregado uma peça. Ele ficou tão sem graça que simplesmente foi embora”, relembra.

Antonio conta que ele e os próprios colegas também já “aprontaram” bastante. No prédio onde morava, costumava receber caixas com bichos encontrados pelos vizinhos e amigos para levar à coleção. Um desses animais foi uma enorme caranguejeira, que foi deixada na portaria.

“Fui buscar a caixinha e perguntei ao porteiro se ele queria ver a coisa linda que ganhei. Quando abri a caixa e mostrei a aranha, ele foi parar do outro lado do prédio”

No grupo de Whatsapp do condomínio onde mora hoje, aliás, o cientista se tornou consultor oficial: os moradores sempre enviam fotos de aranhas que encontram por aí para descobrir qual é e se o bicho é perigoso. Segundo ele, mesmo garantindo que o animal é inofensivo, muitas pessoas têm medo – especialmente se a aranha for grande.

Um pouco de chimarrão e filmes de faroeste

Antonio se considera uma pessoa calma, piadista e bastante irônica. Acredita que é preciso aprender a levar as coisas “na esportiva” e não ser tão sério o tempo inteiro. Como bom gaúcho, toda vez que visita a família no Sul, traz de volta itens especiais: erva para o chimarrão, patê de fígado de porco, além de doces como figada e pessegada. Grande torcedor do Grêmio, também adora jogar futebol e fazer churrasco aos finais de semana. Na televisão, curte assistir séries de crime e filmes de faroeste.

Enquanto o biólogo estuda aranhas, sua esposa, Fernanda, faz pesquisas com moluscos. Já a filha de 22 anos decidiu seguir um caminho diferente: está no terceiro ano de Medicina. Orgulhoso, o pai diz que ela é “terrível”, pois passou em quase todas as provas que fez para o vestibular. “Ela só não aprendeu comigo a não ter medo de barata. Todas as vezes que aparecem eu tenho a função de me livrar das baratas em casa”, conta.

Apaixonado pelas aranhas que descreve, gosta de dar nomes curiosos: 17 espécies nativas da Mata Atlântica identificadas pelo pesquisador foram incluídas no gênero Predatornoops, nomeado por ele em homenagem ao filme de ficção científica “O Predador”. A aranha Predatoroonops schwarzeneggeri, por exemplo, faz referência ao ator Arnold Schwarzenegger. Já uma aranha cega encontrada em uma caverna de Minas Gerais, da família Ochyroceratidae, foi batizada de Ochyrocera dorinha, homenageando a personagem com deficiência visual da Turma da Mônica.

No Butantan, o cientista acaba de iniciar mais um projeto de pesquisa que deve durar cerca de cinco anos. Depois disso, pensa em se aposentar e deixar a “herança” das pesquisas para o próximo curador. Preocupado com o futuro das coleções zoológicas, Antonio não mede esforços para cuidar do acervo e formar profissionais dedicados a manter esse legado tão importante para a ciência brasileira.

“Infelizmente, muitos não entendem o valor da diversidade acumulada nos acervos. Por isso reforço a importância de formar novos especialistas. Precisamos correr atrás para manter as nossas coleções e resgatar o seu valor” 

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