Clima: como a seca avança no Cerrado
Texto: Marcos Pivetta com colaboração de Guilherme Eler/Revista Pesquisa Fapesp
Segundo maior bioma nacional, com uma área de 2 milhões de quilômetros quadrados que abrange quase 24% do território nacional, o Cerrado tornou-se significativamente mais seco nas últimas três décadas. A redução de pluviosidade é mais evidente e acentuada em sua porção centro-norte e nos seis meses que, historicamente, são os de maior estiagem e respondem por apenas um terço da chuva anual do bioma: entre junho e setembro, na estação seca, e entre outubro e novembro, no início da temporada úmida.Nesses seis meses do ano, em certas localidades do Cerrado, o volume da precipitação média acumulada e o número de dias com chuva foram cerca de 50% menores entre 1991 e 2021 do que haviam sido nos 30 anos anteriores, entre 1960 e 1990. Os dados constam de um artigo publicado por pesquisadores brasileiros em julho na revista Scientific Reports. “O período que já era seco está se tornando ainda mais seco e com dias de chuva cada vez mais raros”, comenta o ecólogo Gabriel Hofmann, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), principal autor do estudo. “A época típica de estiagem começa a se prolongar até os meses de outubro e novembro.”
Os índices de chuva no Cerrado foram calculados a partir de informações coletadas em 70 estações meteorológicas situadas em municípios de todas as sub-regiões do bioma e por dados fornecidos pela reanálise climática ERA5 do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Prazo (ECMWF). O trabalho apresenta também dados preliminares que sugerem reduções significativas no processo de evapotranspiração (liberação de água das plantas, do solo e dos rios para a atmosfera) entre junho e novembro. “A redução da evapotranspiração tem o potencial de causar mudanças importantes nos parâmetros ambientais, como aumento de temperatura, diminuição da umidade do ar e redução de precipitação”, diz o físico Manoel Cardoso, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), outro autor do artigo.Cerca de metade da vegetação original do Cerrado foi suprimida
Metade da vegetação suprimida
Cerca de metade da área verde natural do Cerrado – uma formação diversificada, com florestas, campos e gramíneas – foi suprimida nas últimas décadas. A agropecuária, atividade intensiva em uso de terras, cresce no bioma. Segundo os autores do trabalho, é provável que o avanço das pastagens e das lavouras em detrimento da vegetação original tenha alguma influência direta na redução das chuvas.Para a meteorologista Renata Libonati, coordenadora do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais do Departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa-UFRJ), as mudanças no regime de chuvas e na disponibilidade de umidade levam a modificações no padrão de fogo no bioma. “No Cerrado, os fatores climáticos são responsáveis por dois terços da variabilidade anual da área queimada e as mudanças no uso do solo por um terço”, comenta a pesquisadora, que não participa da equipe que publicou o estudo na Scientific Reports. “Portanto, qualquer alteração nos padrões do clima na região tem impacto direto em como, onde e quando o fogo ocorre ali.”
Projeto
Transição para a sustentabilidade e o nexo água-agricultura-energia: Explorando uma abordagem integradora com casos de estudo nos biomas Cerrado e Caatinga (); Modalidade Projeto Temático; Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG); Pesquisador responsável Jean Pierre Ometto (Inpe); Investimento R$ 3.489.559,60.
Artigo científico
HOFFMAN, G.S. et al. . Scientific Reports.11 jul. 2023.