Cientistas criam adoçante xilitol a partir da palha da cana

Cientistas da Unicamp editaram o genoma de um fungo usado na fabricação de etanol para a produção do xilitol, comumente usado em adoçantes. Leia mais
Imagem: Divulgação/Angélica Franceschini

Texto: Julia Moióli, da Agência FAPESP

A palha da cana-de-açúcar, biomassa de baixo custo utilizada na produção de etanol de segunda geração, pode originar um açúcar de ainda maior valor agregado e interesse econômico: o xilitol. Por meio da ação de uma versão modificada do microrganismo Saccharomyces cerevisiae, a xilose presente no material pode ser metabolizada, resultando no saudável e cada vez mais popular adoçante. É o que mostram estudos realizados na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), cujos resultados foram  no Journal of Genetic Engineering and Biotechnology.

“Atualmente esse potencial é negligenciado pela indústria do etanol, que deixa de agregar valor e de suprir a demanda crescente do mercado e da indústria alimentícia pelo adoçante xilitol”, afirma , um dos autores do artigo e pesquisador do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia do Instituto de Biologia (IB-Unicamp). “O sabor adocicado do xilitol é percebido por nosso cérebro como se fosse açúcar, mas o químico carrega o benefício de não ser metabolizado pelo intestino e não ser fermentado pelos microrganismos que causam cáries, o que lhe dá um potencial gigantesco no mercado mundial”, completa , professor do IB-Unicamp que também participou da pesquisa.

Edição genética

O trabalho é uma combinação de dois esforços de pesquisa. O primeiro envolveu a criação de um sistema para modificação genética de linhagens industriais brasileiras de Saccharomyces cerevisiae. Essa levedura não metaboliza naturalmente a xilose, um tipo de açúcar disponível na biomassa da cana-de-açúcar (e também em troncos e folhas de outros vegetais), como faz ao transformar glicose em etanol. Por isso a necessidade de criar uma cepa mutante.

Fellipe da Silveira Bezerra de Mello, primeiro autor do artigo e pesquisador do IB-Unicamp (Imagem: Angélica Franceschini)

O microrganismo recebeu o gene que converte xilose em xilitol por meio de uma técnica de edição gênica conhecida como CRISPR-Cas9 (sigla para Conjunto de Repetições Palindrômicas Regularmente Espaçadas, que funciona com uma proteína associada, a Cas), que permite a edição precisa de uma região específica do DNA. Trata-se do primeiro estudo do tipo utilizando as principais linhagens da levedura usada pela indústria brasileira de bioetanol e que, a partir de agora, poderá servir de base para o trabalho de outros pesquisadores.

Após a edição genética da S. cerevisiae, teve início a segunda frente do trabalho: os testes para confirmar que seria possível aproveitar a mesma fonte de material utilizada na produção de etanol de segunda geração – a palha da cana-de-açúcar hidrolisada, ou seja, degradada para a liberação da xilose – para obter o xilitol. Além disso, nessa etapa, foi comparada a produção feita por duas leveduras editadas da mesma maneira: uma industrial e outra laboratorial. Ambas as cepas obtiveram sucesso, mas a industrial superou consistentemente a de laboratório.

Os resultados mostraram que a levedura industrial brasileira consegue produzir mais xilitol no meio ótimo, que contém apenas a xilose, sem todos os estresses [impurezas] do hidrolisado de cana-de-açúcar. A linhagem industrial também obteve maior sucesso na produção de xilitol usando o hidrolisado da palha [com as impurezas], indicando que essa cepa também possui resistência aos estresses presentes nesse meio”, conta Mello.“De forma conclusiva, o que percebemos foi que a levedura industrial brasileira, além de ser muito boa para a fermentação do etanol, também é excelente para produzir outras moléculas, no caso o xilitol, que tem maior valor agregado.”

Hidrolisado da palha da cana usado pelos pesquisadores como matéria-prima para a produção de xilitol (Imagem: Ícaro Fier)

Futuro

Finalizada a prova de conceito, os pesquisadores trabalham agora para aumentar a produtividade por meio de benfeitorias no processo de fermentação do hidrolisado de cana. Uma das estratégias é suplementar o meio de cultura para promover maior crescimento da levedura. Outra é aplicar uma corrente elétrica ao meio, o que deve contribuir para a regeneração de cofatores (moléculas que auxiliam nas reações químicas necessárias para a transformação da xilose) – quanto mais cofatores, maior é a produção de xilitol. “Estamos realizando uma varredura de possíveis estratégias para obter um produto comercial com competitividade industrial. Desse modo, a área de engenharia poderia trabalhar com a purificação do produto para utilização pelo consumidor.” Também participaram dos estudos , , , Beatriz Vargas, Carla Vieira, Thais Secches, , ,  e . O grupo teve apoio da FAPESP por meio de três projetos (,  e ).

O artigo Rational engineering of industrial S. cerevisiae: towards xylitol production from sugarcane straw pode ser lido em: .

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