Uma maneira de os cientistas estudarem o cérebro humano de forma não invasiva é cultivar “mini cérebros”, grupos de células cerebrais, cada uma do tamanho de uma ervilha, em laboratório. Em uma fascinante progressão dessa linha de pesquisa, uma equipe, liderada por um cientista brasileiro, relatou nesta semana que observou ondas cerebrais semelhantes às de humanos a partir desses organoides.
Estudos anteriores de mini cérebros demonstraram e , mas o novo estudo realizado por pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Diego, liderado pelo biólogo brasileiro Alysson Muotri, é o primeiro a registrar atividade neural semelhante a de humanos. Em seu , publicado na Cell Stem Cell na quinta-feira (29), os pesquisadores escrevem que observaram padrões de ondas cerebrais semelhantes aos de um ser humano em desenvolvimento. Essa sofisticação no modelo in vitro é um passo para permitir que os cientistas usem mini cérebros para estudar o desenvolvimento do cérebro, modelar doenças e aprender sobre a evolução do cérebro, de acordo com Muotri.
“Somos bons [no estudo] do câncer, somos bons [no estudo] do coração”, disse Muotri ao Gizmodo por telefone. “Mas o cérebro está ficando para trás.”
Para criar esses mini cérebros, tecnicamente chamados organoides, os pesquisadores pegaram células-tronco humanas pluripotentes e as introduziram em uma placa de Petri rica em nutrientes, projetada para imitar o ambiente em que nosso próprio cérebro se desenvolve. Devido à natureza pluripotente das células-tronco – o que significa que elas têm o potencial de se transformar em qualquer número de células diferentes – essas células podem ser estimuladas a desenvolver uma estrutura 3D que lembra o cérebro humano em desenvolvimento, embora muito menor. Com cerca de dois meses de desenvolvimento, a equipe começou a notar picos de atividade neural na rede que não haviam sido observados anteriormente.
Organoides cerebrais com dez meses de idade, cada um do tamanho de uma ervilha. Foto: Trujillo et al., 2019, Cell Stem Cell
Quando a equipe começou a observar essas explosões intermitentes de atividade elétrica, eles inicialmente não estavam procurando similaridades entre o modelo e bebês humanos, disse o coautor e aluno de doutorado Richard Gao ao Gizmodo por e-mail.
“Vimos que uma característica proeminente dessas oscilações organoides é que elas surgem em explosões: a rede fica inativa na maioria das vezes e a cada 10 ou 20 segundos, mais ou menos, um surto de atividade ocorre espontaneamente”, disse Gao. “Era uma reminiscência de uma característica em bebês prematuros, denominada traço descontinuado, onde o EEG da criança é muito inativo na maioria das vezes, pontuado por fortes transitórios oscilatórios. Portanto, se você tivesse que falar de um recurso específico, acho que seria o fato de as oscilações irem e virem…Tivemos muita sorte naquele momento em encontrar um conjunto de dados relatando esses recursos no EEG prematuro”.
A equipe treinou um algoritmo de machine learning para reconhecer características importantes nos EEGs (Eletroencefalografia – método utilizado para registrar a atividade elétrica do cérebro) prematuros e utilizou para avaliar os organoides cerebrais quanto a similaridades. O algoritmo foi capaz de prever quantas semanas os organoides se desenvolveram na cultura e, entre 25 e 40 semanas de desenvolvimento, o algoritmo não conseguiu mais diferenciar entre os organoides e os EEGs infantis, disse Muotri ao Gizmodo.
Muotri esclareceu, porém, que essa comparação entre os dois não era necessariamente individual. Existem certas características e limitações dos EEGs prematuros de bebês, incluindo os efeitos que a espessura de um crânio humano em desenvolvimento tem nas leituras, que diferem dos organoides cultivados em laboratório. Para os propósitos de seu estudo, Muotri diz que a equipe deixou de fora essas variáveis não comparáveis.
Para realmente solidificar esses resultados, no entanto, os pesquisadores dizem que essas discrepâncias entre os EEGs infantis e o organoide precisam ser reconciliadas.
“Acho que não é possível dizer o quanto a atividade organoide é semelhante ao EEG prematuro”, disse Arnold Kriegstein, neurologista da Universidade da Califórnia, em San Francisco, que não contribuiu para o novo estudo, por e-mail ao Gizmodo. “O desenvolvimento da atividade espontânea nos organoides é bastante interessante e os pesquisadores mostraram convincentemente que isso depende da atividade neuronal. Mas, os organoides são tão diferentes do córtex em desenvolvimento real que, mesmo que a fenomenologia seja semelhante, ainda precisamos de melhores evidências de que os mecanismos subjacentes são os mesmos…É como comparar maçãs com laranjas: mesmo sendo frutas, não são iguais. ”
Ainda assim, Kriegstein diz que esta pesquisa é um passo importante para responder a essas perguntas.
Outra pergunta que esse experimento e outros semelhantes levantam, disse Muotri, é se os mini cérebros podem ou não ser considerados conscientes e que dilemas éticos podem surgir no futuro. Enquanto Kriegstein afirmou que os organoides não eram desenvolvidos o suficiente para serem considerados conscientes, Muotri disse que não pode ter certeza.
“Minha resposta original foi dizer ‘acho que não’, mas a verdade é que não temos evidências”, disse Muotri ao Gizmodo. “Ainda não temos métodos para testar isso”.
Para abordar essa questão, Muotri planeja realizar uma reunião na UC San Diego em outubro deste ano com cientistas, filósofos e especialistas em ética para discutir o futuro ético de tais tecnologias.
“Minha tendência é sempre dizer, como em qualquer outra tecnologia, seja fazer transfusões de sangue ou transplantes de órgãos ou até carros comuns”, disse Muotri. “Essas são todas tecnologias que podem ser usadas para o bem e para o mal, mas nós, como sociedade, vemos o bem e o mal…E acho que os organoides do cérebro estarão na mesma direção.”